ENQUANTO E NAO

quarta-feira, julho 25, 2007

AÍ ESTÃO OS PREDADORES, Diz Baptista-Bastos

Porque hoje é quarta-feira e Baptista-Bastos escreve no Diário de Notícias às quartas feiras, cá estou eu, como prometi, a transcrever a sua crónica de hoje. Alguns de vós já a terão lido no DN, outros talvez não. Em todo caso sempre serão mais umas centenas de pessoas que têm a oportunidade de ler aqui o que lhes terá passado despercebido no volumoso magazine que é hoje aquele jornal e as palavras de BB são preciosas de mais para podermos dar-nos ao luxo de as desperdiçar. Pelo estilo, pelo conteúdo, pela oportunidade, pela coragem.

Mas “ouçamos” Baptista-Bastos. Mas ouçamo-lo com os olhos bem abertos (a gafe, é intencional)

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AÍ ESTÃO OS PREDADORES

Baptista-Bastos

"Falemos de política, discutamos de política, escrevamos de política, vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um, essa coisa de cada um era tratada como propriedade do paizinho."
Jorge de Sena

O inconcebível aconteceu, três décadas depois de Abril: as quatro confederações patronais reclamaram a mudança de artigo da Constituição: um, o 53.º, acaso o mais significativo, proíbe o "despedimento sem justa causa por motivos políticos ou ideológicos". Querem, também, limitar o direito à greve, e modificar as prerrogativas das associações sindicais e a contratação colectiva.
Mas o projecto restritivo é muito mais amplo e por igual sombrio. O documento do patronato fornece, com nitidez, a imagem de quem o subscreve. Além do que fundamenta um profundo desrespeito pela democracia.
É a ressurreição dos predadores.

Há duas semanas tive oportunidade de ler o discurso de Francisco Balsemão, no jantar da Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social, em que apostrofou o ministro Santos Silva. É um documento discutível. Menos num dos princípios: o da liberdade de expressão. Aí, o velho capitão de jornais permanece devotadamente fiel aos ânimos da juventude. Tudo o que agrida a livre enunciação das ideias encontra nele um tenaz adversário. Sei do que falo: trabalhámos juntos, durante anos, dando corpo a um projecto grandioso: o Diário Popular. A esmagadora maioria da Redacção era de Esquerda ou, pelo menos, desafecta ao regime. Trinta e cinco jornalistas, 150 mil exemplares diários de venda. A tese era a seguinte: "Neste jornal ninguém corta nada a ninguém." O estrondoso êxito do vespertino é devido, acima de tudo, a essa caução de liberdade.

Em 1969, no período eleitoral marcelista, dois redactores do Popular participaram, activamente, como candidatos da Oposição: Mário Ventura Henriques e o autor desta crónica. Balsemão, pela Acção Nacional Popular. Nenhum dos patrões, nenhum deles obstou à nossa actividade. Tanto eu quanto o Mário Ventura assumimos as consequências imprevisíveis dos nossos actos, e não traímos os testamentos éticos que resguardavam a grandeza da nossa profissão. Quando regressámos, as nossas bancas de trabalho esperavam-nos.

Relembro o episódio como paradigma. Francisco Balsemão interpreta a reafirmação de uma luta que nunca está definitivamente ganha, e que vale sempre a pena recomeçar. Aqueles senhoritos, confederados no lucro a qualquer preço, pertencem ao ranço da História, à parte mais reaccionária da sociedade portuguesa, que dificulta o progresso social e põe em causa valores e modelos que deveriam ser intocáveis.

Saibamos expulsá-los do futuro. |

Escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

nota: o sublinhado é meu

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“ACORDAI, ALMAS QUE DORMIS”, o apelo do poeta mantém-se actual, tal como no tempo do outro fascismo, Acordemos, irmãos, que eles, “os predadores” estão afiando as facas. O tempo é-lhes propício… e se nós não nos defender-mos ninguém nos defenderá. Que raio, a história algo nos há-de ter ensinado! Ou não?

terça-feira, julho 24, 2007

DIZER MAL DE HUGO CHÁVEZ: É obrigatório

Proveniente do Brasil chegou-me às mãos um interessante conjunto de dez mandamentos, da autoria de Emir Sader, que os jornalistas ( "a mídia", como eles dizem, e que eu tomei a liberdade de adaptar para a expressão usada entre nós, "os media"), devem seguir fielmente, no sentido de defender os "nossos" (nossos?) interesses contra o "tenebroso" Hugo Chávez.

Decálogo para falar mal de Hugo Chávez

Emir Sader


1. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele recupera o papel do Estado, desqualificado e enterrado por nós há tempos.

2. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele se diz anti-imperialista e esse é um tema proibido nos media há tempos.

3. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele funda um novo partido, quando martelamos todos os dias que todos os partidos são iguais, que são negativos, que sempre reflectem interesses de grupinhos.

4. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele recupera o papel da política, quando todo o trabalho quotidiano dos media é para dizer que a política é irrecuperável, que só a economia vale a pena.

5. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele vende petróleo subsidiado aos países que não podem pagar o preço do mercado - inclusive a pobres dos Estados Unidos -, o que evidentemente fere as leis do mercado, pelo qual tanto zelam os media.

6. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele é um mau exemplo para os militares, que só devem intervir na política quando seja necessário um golpe militar e nunca para defender os interesses de cada nação.

7. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele ataca a os media privados e fortalece os media públicos. Porque ele acabou com o analfabetismo na Venezuela, tema sobre o qual devemos calar. Porque ele vai diminuir a jornada de trabalho em 2010 para 6 horas e esse tema é odiado pelos patrões.

8. Devo falar mal de Hugo Chávez porque assim me identifico com os interesses do dono do meio em que trabalho, garanto o emprego, fortaleço os partidos e as empresas aliadas do patrão.

9. Devo falar mal de Hugo Chávez porque ele faz com que se volte a falar do socialismo, depois que nos deu muito trabalho tratar de enterrar esse sistema, inimigo do capitalismo, a que estamos profundamente integrados.

10. Devo falar mal de Hugo Chávez (e de Evo Morales e de Lula e de todos os não brancos), senão eles vão querer dirigir os países, os jornais, as televisões, as empresas, o mundo. Será o nosso fim.

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Quem é Emir Sader

Emir Simão Sader nasceu em São Paulo, no ano de 1943. Formou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo. Fez Mestrado em Filosofia Política e Doutorado em Ciência Política, ambos na Universidade de São Paulo. Na mesma universidade, trabalhou como professor, primeiro de filosofia, depois de ciência política. Foi, ainda, pesquisador do Centro de Estudos Sócio Económicos da Universidade do Chile, professor de Política na UNICAMP e coordenador do Curso de Especialização em Políticas Sociais na Faculdade de Serviço Social da UERJ. Actualmente dirige o Laboratório de Políticas Públicas na UERJ, (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) onde é professor de sociologia.

quarta-feira, julho 18, 2007

OS NOVOS GAIBÉUS - Crónica de Bptista Bastos


Os mais novos desconhecem. Os mais velhos, os que têm memória, lembram- se bem dos "gaibéus" que Alves Redol imortalizou em páginas brilhantes da nossa literatura - brilho aliás que certos "inteligentes" da nossa praça se empenham aleivosamente em ofuscar. Os gaibéus, ou "ratinhos" como Baptista-Bastos recorda, eram trabalhadores rurais e camponeses pobres, tão pobres tão pobres, que para sobreviverem, desciam da sua região - A Beira Baixa - para virem trabalhar por qualquer preço no Ribatejo e Alentejo - com prejuízo dos camponeses, tão pobres como eles, mas com mais espírito de luta e mais organizados, dando origem a brigas e agitações sociais, que os senhores feudais e ao organização corporativa do Estado fascista, sabiam astutamente reprimir e aproveitar.

Pois o tempo passou e hoje, com um governo dito socialista, descobre Baptista- Bastos que já não são apenas os camponeses pobres da Beira Baixa, mas Portugal inteiro, que virou um país de gaibéus. Só que os novos gaibéus já não são apenas assalariados rurais, mas uma vastas camada da nossa população que abrange mesmo licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.

O melhor, porém, é ler as palavras de Baptista-Bastos na desencantada crónica que a seguir transcrevo do DN de hoje, data venia:


OS NOVOS GAIBÉUS

Baptista-Bastos

Do Alto Ribatejo e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam." No romance que estabeleceu novos meridianos na literatura portuguesa, e inaugurou o movimento neo-realista, Alves Redol escrevia o mural do desespero e da fome. Gaibéus é de 1939. Adjectivava uma infâmia e um infortúnio. Camponeses das Beiras, a que chamavam, também, "ratinhos", furavam greves, trabalhavam nos campos gerais ribatejanos e nas searas alentejanas submetendo-se a salários muito inferiores aos dos trabalhadores locais. Também do Algarve saíam, para os latifúndios, os que não encontravam, nas suas terras, a subsistência mais rudimentar.

O emprego sazonal era o anverso da medalha do desemprego. A fome acossava esses pobres portugueses, que vendiam a alma, perdiam a dignidade e estilhaçavam o carácter a troco de um pouco de pão. O Ribatejo e o Alentejo, insubmissos, insultavam e, amiúde, espancavam os que iam roubar-lhes o trabalho. As designações "gaibéu" ou "ratinho", estigmas desonrosos, assinalavam a rejeição do outro, afinal sofredor como aqueles que o abominavam. Redol não se cansou de narrar a epopeia dos imigrados do interior, esses retirantes temporários nos quais depositava uma comovente porção de ternura, em páginas admiráveis, que culminaram com uma obra-prima, Barranco de Cegos.

Lembrei-me do grande escritor quando, há dias, a Televisão da Galiza noticiou que os trabalhadores da região se manifestavam, com veemência e alvoroço, contra os milhares de portugueses que se ofereciam para trabalhar por metade e, até, por um terço dos salários ali auferidos. A desconstrução da miséria antiga não foi suficiente para a fazer desaparecer: mascarou-a. E a globalização, como espaço de equidade, de solidariedade, e paradigma da liberdade, desprotege, cada vez mais, os desfavorecidos, além de atingir, com singular violência, a "classe média". Os novos gaibéus são também, licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.

Os nossos dirigentes políticos não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis. A sua mediocridade exultante é típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social. Portugal é, de novo, um país gaibéu. Como acentuou Antonio Negri, num entusiasmante livro de entrevistas com Raff Valvora Scelsi, Goodbye Mister Socialism, esta "Esquerda" estimula o êxodo, em vez de promover o afrontamento. Prefere o deserto humano a ter de partilhar experiências com as singularidades dos movimentos que se ajuramentam, um pouco por todo o lado. Esta "Esquerda" é a Direita exacerbada. (1)

(1) O sublinhado é de minha responsabilidade

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escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

segunda-feira, julho 16, 2007

FASCISMO. Sabe o que é?


Recebi hoje um e-mail, lindíssimo, de uma senhora que me contava a forma como, ao procurar na net a expressão “manga de alpaca” para mostrar ao filho o significado desta expressão hoje em desuso, foi tombar sobre um texto meu intitulado “Gravatas & Bravatas” publicado em Junho de 2006 no meu outro blogue “Escritos Outonais”, cuja leitura muito a impressionou. Ali, a propósito de vivências pessoais, tecia várias considerações sobre a essência dos fascismos, a forma como se instalam, se insinuam se reproduzem.

É desse texto, que nunca mais tinha lido, que transcrevo a passagem seguinte

"Moral da história: os fascismos não se alimentam apenas da repressão física, mas também, e à vezes principalmente, de medos irracionais, de suspeições , de reverências voluntárias, de submissões não solicitadas, de delações não pedidas. O espírito de big-brother paira sobre toda a sociedade, como um obsessão colectiva, sem precisar, por vezes de se impor, nem sequer pela presença dos seus guardiões. Em contrapartida, a resistência, pode ser feita através do que parecem ser pequenos detalhes sem importância: uma recusa, uma não aceitação, uma afirmação de personalidade contra a corrente do geralmente aceite e, sobretudo, contra normas impostas. Confesso até, que usar gravata nem é coisa que me incomode por aí além e tanto assim que, agora que estou reformado, que ninguém me obriga a usa-la e que até pouca gente a usa, de vez em quando, dá-me na mona e engravato-me. Porque quero."

Mal acabei de reler estas palavras e fui, de imediato assaltado por uma inquietante sensação de mal estar, um aperto no estômago, uma angústia para a qual não via razão. Mas depressa entendi. Meu Deus, como isto se parece com acontecimentos bem recentes passados na nossa terra! A denúncia feita contra o professor Charrua, por uma simples brincadeira que envolvia o Primeiro ministro e o seu pronto afastamento das funções que exercia! A delação contra o médico do Centro de Saúde que colocou, numa dependência do mesmo, um recorte de uma notícia sobre uma frase infeliz do senhor Ministro da Saúde (cujo único mal era mesmo a infelicidade da frase) e o rápido afastamento da respectiva Directora, substituída por um elemento do partido do Governo! Os vários casos de professores obrigados a trabalhar até à morte, por excesso de zelo dos membros da Juntas médicas. Nada disto acontece por acaso. O autoritarismo desenfreado que tem caracterizado a política deste governo, designadamente da ministra da cultura e do ministro da saúde, tinha fatalmente que resvalar para isto. É o fascismo que espreita. Ainda não é, mas para lá caminha. Esta é umas das suas características. Os subordinados entendem que devem ser mais papistas que o papa. O Chefe quer autoritarismo e eles ali estão, solícitos, para o aplicar para se excederem, para irem mais além.

Nós os mais velhos, sabemos bem o que isto significa. Sabemos como começa e sabemos aonde pode levar. Vocês não estão preocupados?
Eu estou. E Muito.

domingo, julho 15, 2007

AS PROMESSAS DE SÓCRATES: Antes e depois


Antes de ter o poder:

Nosso partido cumpre o que promete.
Só os tolos podem crer que
não lutaremos contra a corrupção.
Porque, se há algo certo para nós, é que
A honestidade e a transparência são fundamentais
Para alcançar nossos ideais.
Mostraremos que é grande estupidez crer que
As máfias continuarão no governo, como sempre.
Asseguramos sem dúvida que
A justiça social será o alvo de nossa acção.
Apesar disso, há idiotas que imaginam que
Se possa governar com as manchas da velha política.
Quando assumirmos o poder, faremos tudo para que
Se termine com os marajás e as negociatas.
Não permitiremos de nenhum modo que
Nossas crianças morram de fome.
Cumpriremos nossos propósitos mesmo que
Os recursos económicos do país se esgotem.
Exerceremos o poder até que
Compreendam que
Somos a nova política.

Depois de ter o poder:

Ler o texto anterior do fim para o princípio

È um brincadeira? pois é, mas contém mais verdades do que o discurso de Sócrates
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Não sei de quem é o texto, mas recolhi-o do blogue

quarta-feira, julho 11, 2007

A LIBERDADE AMEAÇADA Crónica de Baptista-Bastos

É mais uma crónica de Baptista Bastos publicada hoje no DN que, data venia, me permito transcrever. Nela, BB, com a argúcia que o caracteriza, a coragem a que é de seu feitio e o estilo que é seu dom, denuncia o caminho escorregadio aonde nos pode conduzir este "socilalismo moderno", de um Governo que se diz socialista, e que não é mais do que um neoliberalismo, nem sequer encapotado, mas escandalosamente claro e sem rebuços. Nos métodos e nos ojectivos.

A LIBERDADE AMEAÇADA

Baptista-Bastos

Enquanto os candidatos à Câmara de Lisboa se entretêm, amenamente, com chamar-se, uns aos outros, de mentirosos, velhacos e ignorantes, o nosso querido primeiro-ministro é apupado no estádio da Luz. Neste país parece que ninguém gosta de ninguém, e as interpretações torcidas que, de hábito, se fazem destas manifestações sentimentais tendem a considerá-las como "normais em democracia". Na verdade, elas não são, somente, uma necessidade de ordem psicológica e uma representação da incomodidade geral: afirmam a separação absoluta entre dois países no interior de um só.

A confusão entre Estado e indivíduo, singularidade e colectividade, massa e cidadão é propícia à classe dirigente. Alguns afáveis intelectuais pensaram (creio que ainda pensam, se é que pensam) vogar no rumo certo da História e têm apoiado, com sistemático enternecimento, o "socialismo moderno". Em Portugal, esta misteriosa designação tem, actualmente, um visível paladino, José Sócrates, epígono do socialismo de turíbulo, defendido com doçura pelo inesquecível António Guterres.

Ora, em dois anos de "socialismo moderno" acentuou--se a separação entre nós e eles, entre o espírito da História e uma História sem espírito. Duas linguagens diferentes e incompatíveis, cada vez mais contaminadas pelo ódio e pela indiferença, pelo desdém e pela resignação. O novo Estatuto do Jornalista, caucionado por deputados servis, assinala, uma vez ainda, as características destes "socialistas", cujo elevado défice democrático, intelectual, moral, social e cultural causa-nos as maiores preocupações. Subordinar a livre expressão aos critérios de uma decisão que se sobrepõe aos princípios fundamentais da democracia constitui o mais grave atentado, registado depois de Abril, contra a liberdade de informação. Não se trata de uma questão corporativa: é um problema vital.

Está em causa uma normatividade que pretende coagir os jornalistas ao temor e à reverência, e que tende a relegar a liberdade de Imprensa para a lista dos produtos supérfluos. A Conferência Episcopal protesta, porque descobre, tardiamente, o maniqueísmo de tábua rasa de um Governo absolutamente anti-social. Só agora, Igreja? As legislações que nos têm regido (Constituição, Código Penal, Lei de Imprensa) não correspondem a uma visão contemplativa do jornalismo; punem quem prevarica. O Estatuto é um cão-de-guarda.

E o desatino é de tal monta que se chega ao ponto de pedir, encarecidamente, a um Presidente de República, cujo currículo não possui o mais módico vestígio de luta pela liberdade, que vete o Estatuto, cuja natureza agride a expressão do livre pensamento.

escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

quarta-feira, julho 04, 2007

BAPTISTA-BASTOS


Há praticamente dois meses que não actualizava este blogue no qual, até então, escrevia praticamente todos os dias. Cansaço, falta de motivação, problemas de falta de vista, canseira de malhar em ferro frio, preguiça, sei lá... Já ontem voltei à actividade com um post sobre uma homenagem a meu irmão José Gouveia na sua (na nossa) terra natal. Não por ser meu irmão, mas principalmente por ter sido um lutador incansável pela Liberdade e pela democracia a assuntos que são objecto quase único deste meu blogue.

Hoje resolvi transcrever do Diário de Notícias uma crónica de Baptista Bastos e tenciono fazer deste meu blogue uma espécie de caixa de ressonância de todas ou de grande parte das crónicas que ele for escrevendo naquele Jornal . Como todos sabem ,o DN mudou há uns tempos de direcção, de formato e de orient
ação. Houve quem gostasse. Não eu. Mas mantive-me comprador e leitor diário.

O DN é um jornal de referência que acompanho desde a infância (da minha, que o jornal é bem mais velho). Uma coisa - talvez a única - me levou a ficar: a crónica semanal de Baptista Bastos.

Baptista Bastos, além de grande romancista é um dos nomes maiores do jornalismo português do último meio século. Talvez, quanto a mim, o maior jornalista português vivo. Grande e honrado - o que vai sendo raro.Corajoso e "sarrafeiro" expressão que ele próprio gosta de ostentar como uma das suas qualidades. Mas isso seria pouco, se não fosse, como é, veiculado através de uma escrita ágil, gostosa, límpida, num português de lamber os beiços...

A Crónica de hoje é disso uma bela amostra.
Haverá mais

A METÁFORA DE BELARMINO

Baptista-Bastos

"Se não aguentas seis assaltos, o melhor é desistires logo à primeira." Disse-me Belarmino Fragoso, com quem pratiquei boxe, no Desportivo da Mouraria. Belarmino era um campeão sem medo; porém, um homem malicioso e sábio. Eu, um rapaz esgalgado e um pouco mais intempestivo do que hoje sou. A frase ocorreu-me, como metáfora, ao ler que José Sócrates, no acto inaugural da Presidência Europeia, entrou, sorrateiro, pelo parque de estacionamento da Casa da Música, a fim de escapar a uma manifestação de protesto.

Digo-o de forma amistosa: Sócrates não resiste a dois assaltos. Posa de leão indomesticável, mantém um semblante grave, mas escapule-se, furtivo, à mais leve suspeita de distúrbio. A pesarosa cena, no Porto, fornece-nos o retrato de um homem que recusa enfrentar os problemas por si próprio criados e que transforma o abstracto numa vitória sobre o concreto.

As pessoas precisam de símbolos de destemor, porque desejam rever-se nessa espécie de silogismo que faz do exemplo uma criação da esperança. Cunhal, Soares, Sá Carneiro, Vasco Gonçalves, vivem nessa matriz. Podemos gostar, ou não, daquilo que foram ou ainda representam. Como diria o meu amigo Luís Pignatelli, boémio e poeta, eles conservavam a nudez de um bom verso que admite todas as rimas. Aceitaram as imprecações e as injúrias, a pressão dos dias e a convulsão de anos tumultuosos, mas nunca se esconderam. José Sócrates pertence à congregação de fugitivos cujos protótipos mais próximos podemos encontrar em António Guterres e em Durão Barroso. O destino que escolheram não resgata o seu absentismo nem acrescenta lustre à mediocridade das suas estaturas.

Todas as coisas vivem sob o império das contingências e movem-se num cortejo de incidentes. É nessas ocasiões, porém, que a consistência de carácter se revela ou se turva. A ética sobrepuja, neste caso, a doutrina, o partido e a fé.

O 25 de Abril pretendeu pôr cobro a todos os medos e terminar com a "distanciação" (lá salta, outra vez, a obscena palavra!) que opunha os governantes aos governados. O fervor de então admitia ser possível defender os homens dos homens, e criar as relações essenciais a um entendimento sem evasivas nem ambiguidades. Os acontecimentos posteriores demonstraram que as alianças sentimentais tinham deixado de ser viáveis.

No Porto, ao desembaraçar-se da maçada de ter de ouvir protestatários no desemprego, José Sócrates ilustrou a metáfora do campeão. Deixou-nos a inquietante suspeição de que ou é tímido, ou medroso, tímido ou pedante. E perdeu o momento de demonstrar, a tão egrégios convidados, que o diálogo pode ser o antídoto do ruído."

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escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

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Leia no meu outro blogue
http://escritosoutonais.blogspot.com/
TROVOADA NA ALDEIA
Mais um texto meu que fui buscar ao baú de velharias

segunda-feira, julho 02, 2007

JOSÉ GOUVEIA homenageado na sua sua aldeia natal

Da luta pela Liberdade e pela Democracia fez razão de toda a sua vida

Finalmente,
o maçorano José Augusto Gouveia,

destacado lutador pele liberdade e pele democracia
no nosso país, agraciado com a Ordem de Liberdade
e com placas toponímicas em sua honra
em várias outras localidades,
é recordado na terra que o viu nascer









homenagem a José Augusto Gouveia
promovida pela Assembleia de Freguesia de Maçores
na passagem do 85.º aniversário do seu nascimento
(29.VI.1922 – 29.VI.2007)

Palavras de António Gouveia (seu irmão) que, por por se encontrar doente, delegou no Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia, a respectiva leitura

Senhor Presidente da Assembleia de Freguesia, Senhores Membros da Assembleia de Freguesia, Senhor Presidente da Junta da Freguesia, Senhores Vogais da Junta de Freguesia, estimados Maçoranos e Amigos.

Na sequência de uma proposta do nosso conterrâneo e meu querido Amigo o Dr. Carlos d’Abreu, entendeu a Assembleia de Freguesia de Maçores homenagear a memória do maçorano José Augusto Gouveia, com a colocação de uma placa com o seu nome e a sua condição de “lutador pela Liberdade e pela Democracia” na frontaria do edifício-sede dos órgãos autárquicos da nossa Freguesia.

A proposta foi generosa, a aprovação foi louvável, a homenagem é justa.

Como irmão do homenageado e em representação de sua família, cumpre-me dizer umas breves palavras de agradecimento e sobre ele tecer também breves considerações:

O nome do maçorano José Augusto Gouveia já existe em três ruas (uma delas na sede do nosso Concelho que o Senhor Presidente da República, porque o conhecia pessoalmente, fez questão de ser ele próprio a inaugurar), numa praceta, num complexo desportivo e na última casa onde viveu e acabou os seus dias.

Pois posso garantir que, se ele pertencesse ainda ao número dos vivos – o que no nosso país (e não só) seria muito improvável, dado que só depois de morto se reconhece valor a alguém – nenhuma dessas homenagens lhe daria tanto prazer como a que agora está recebendo na sua aldeia natal que ele muito amou. Nem a ele, nem a mim, confesso.

Tal como todos os seus ancestrais, da parte dos Melenas, foi em Maçores que o José Augusto nasceu. Foi aqui que brincou, que cresceu, que trepou ao olmo da Rua Nova, que foi aos ninhos, que foi à lenha ao monte Ladeiro, que andou na escola, que fez a instrução primária com uma professora que era sobrinha do poeta Guerra Junqueiro – pormenores e vivências que ele nunca esqueceu e dos quais sempre falava com muita saudade.

A vida era muito difícil no País atrasado que então éramos, mas era particularmente dura numa aldeia como a nossa, sem recursos, sem perspectivas de trabalho que não fosse, para a maioria dos habitantes, o sofrido amanho do pedacito de terra – quando a tinham – para satisfação das necessidades mais imediatas, sem água canalizada, nem luz, sem transportes adequados, sem ligação rápida à sede do Concelho, sem assistência na doença.

Recordo-me que, em vésperas de ter de ir a Moncorvo para fazer o exame da quarta classe, ao meu irmão nasceu-lhe um carbúnculo num dos sobrolhos que, como é sabido, provoca febre e muito mau estar. Valeu-lhe a presença ocasional do médico Dr. Ramiro Guerra que, sem outro recurso, lho queimou com o cabo de um garfo de ferro em brasa, tendo o garoto, logo na manhã seguinte, ainda a arder em febre, ido montado num burrico, com a mãe a pé puxando a arreata, pelos caminhos pedregosos da serra até à vila para fazer o seu exame. Tempos difíceis aqueles! Para todos. E os mais idosos sabem do que estou falando.

Por tudo isso, e porque não tínhamos terra para cultivar e porque o nosso pai nem era camponês nem arranjava trabalho na sua profissão, a nossa família – como tantas outras – viu-se forçada a abandonar a aldeia em busca dos meios de subsistência que aqui lhe eram negados. Como tantos outros, afinal, que tiveram de se espalhar um pouco por todo o mundo em busca de melhores condições de vida!

Só que os problemas que nos afligiam não eram apenas de índole local mas de ordem política, resultado de uma forma de governo e de regime, que além de nos coarctar a liberdade de expressão, de reunião, de voto, nada fazia pelos mais desprotegidos, preocupando-se apenas com a manutenção dos privilégios das classes dominantes.

Foi dessa realidade que o rapazinho ido de Maçores, cedo se apercebeu. E tendo-se apercebido não se conformou e, ainda adolescente, entrou na luta política, social e cultural tendente a despertar a consciência daqueles que à sua volta, no trabalho e na vizinhança eram vítimas das mesmas injustas e intoleráveis condições de vida.

E foi desse ideal, dessa luta pela liberdade e pela instauração de um regime democrático, mais justo, no nosso País que ele fez a bandeira de toda a sua vida. E em consequência dessa luta o prenderam em 1948. Mas ele voltou à luta. E de novo o prenderam em 1954. Mas ele não virou a cara. E não lhe permitiram continuar no emprego onde ganhava o sustento da sua família. Mas ele não desistiu. E em 1970 o prenderam de novo. Mas ele voltou à luta. E em 1973 voltaram a prendê-lo. Desta vez com a intenção mais que evidente de acabarem com ele. Foi torturado com tal violência física e psicológica, que julgaram ter conseguido tal objectivo. E tão certos estavam de que a luta do José Gouveia tinha acabado que, tendo-lhe causado lesões mentais que julgavam irrecuperáveis, certa noite, o foram cobardemente depositar no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, sem avisar a família e sem nunca mais o terem reclamado.

Valeu a meu irmão o choque psicológico que lhe provocou a eclosão do 25 de Abril, que, como por milagre, lhe fez recuperar a saúde e a razão e lhe permitiu vir ainda a ter um papel importante, como Presidente da Câmara Municipal de Loures na construção da nova sociedade que esse dia instituiu – continuando desta maneira e até ao fim dos seus dias embora de outra forma a luta em que empenhara toda a sua vida e que só com a determinação e coragem de homens como ele, foi possível ver triunfar.

Além das homenagens que se traduziram na publicação de um livro sobre a sua vida, na organização de diversas actividades culturais e desportivas, na atribuição do seu nome a várias ruas e equipamentos sociais, que já referi, fez ainda o Estado português questão de lhe atribuir a alta condecoração da Ordem da Liberdade.

Faltava que a terra que o viu nascer lhe reconhecesse o mérito e inscrevesse o seu nome no escol de cidadãos que, aqui tendo nascido, se notabilizaram por actos cujo benefício ultrapassa o mero âmbito dos interesses pessoais ou locais mas se alarga a toda a comunidade da Pátria a que todos pertencemos.

Modesta, embora, com a colocação desta placa com o nome de José Augusto Gouveia na fachada da nossa Casa da Freguesia, na qual se enfatiza a sua qualidade de maçorano e se salienta o seu papel de lutador pela Liberdade e pela Democracia, Maçores salda hoje uma dívida de justiça que muito honra a nossa terra e quem tal iniciativa tomou.

Como português, como maçorano, e como irmão do homenageado, sinto-me completamente gratificado.
Obrigado a todos.
António Gouveia

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