ENQUANTO E NAO

quarta-feira, julho 18, 2007

OS NOVOS GAIBÉUS - Crónica de Bptista Bastos


Os mais novos desconhecem. Os mais velhos, os que têm memória, lembram- se bem dos "gaibéus" que Alves Redol imortalizou em páginas brilhantes da nossa literatura - brilho aliás que certos "inteligentes" da nossa praça se empenham aleivosamente em ofuscar. Os gaibéus, ou "ratinhos" como Baptista-Bastos recorda, eram trabalhadores rurais e camponeses pobres, tão pobres tão pobres, que para sobreviverem, desciam da sua região - A Beira Baixa - para virem trabalhar por qualquer preço no Ribatejo e Alentejo - com prejuízo dos camponeses, tão pobres como eles, mas com mais espírito de luta e mais organizados, dando origem a brigas e agitações sociais, que os senhores feudais e ao organização corporativa do Estado fascista, sabiam astutamente reprimir e aproveitar.

Pois o tempo passou e hoje, com um governo dito socialista, descobre Baptista- Bastos que já não são apenas os camponeses pobres da Beira Baixa, mas Portugal inteiro, que virou um país de gaibéus. Só que os novos gaibéus já não são apenas assalariados rurais, mas uma vastas camada da nossa população que abrange mesmo licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.

O melhor, porém, é ler as palavras de Baptista-Bastos na desencantada crónica que a seguir transcrevo do DN de hoje, data venia:


OS NOVOS GAIBÉUS

Baptista-Bastos

Do Alto Ribatejo e da Beira Baixa, eles descem às lezírias pelas mondas e ceifas. Gaibéus lhes chamam." No romance que estabeleceu novos meridianos na literatura portuguesa, e inaugurou o movimento neo-realista, Alves Redol escrevia o mural do desespero e da fome. Gaibéus é de 1939. Adjectivava uma infâmia e um infortúnio. Camponeses das Beiras, a que chamavam, também, "ratinhos", furavam greves, trabalhavam nos campos gerais ribatejanos e nas searas alentejanas submetendo-se a salários muito inferiores aos dos trabalhadores locais. Também do Algarve saíam, para os latifúndios, os que não encontravam, nas suas terras, a subsistência mais rudimentar.

O emprego sazonal era o anverso da medalha do desemprego. A fome acossava esses pobres portugueses, que vendiam a alma, perdiam a dignidade e estilhaçavam o carácter a troco de um pouco de pão. O Ribatejo e o Alentejo, insubmissos, insultavam e, amiúde, espancavam os que iam roubar-lhes o trabalho. As designações "gaibéu" ou "ratinho", estigmas desonrosos, assinalavam a rejeição do outro, afinal sofredor como aqueles que o abominavam. Redol não se cansou de narrar a epopeia dos imigrados do interior, esses retirantes temporários nos quais depositava uma comovente porção de ternura, em páginas admiráveis, que culminaram com uma obra-prima, Barranco de Cegos.

Lembrei-me do grande escritor quando, há dias, a Televisão da Galiza noticiou que os trabalhadores da região se manifestavam, com veemência e alvoroço, contra os milhares de portugueses que se ofereciam para trabalhar por metade e, até, por um terço dos salários ali auferidos. A desconstrução da miséria antiga não foi suficiente para a fazer desaparecer: mascarou-a. E a globalização, como espaço de equidade, de solidariedade, e paradigma da liberdade, desprotege, cada vez mais, os desfavorecidos, além de atingir, com singular violência, a "classe média". Os novos gaibéus são também, licenciados, cientistas, intelectuais, investigadores; e jovens e jovens e jovens.

Os nossos dirigentes políticos não possuem talento nem grandeza para criar condições de vida aceitáveis. A sua mediocridade exultante é típica do populismo autoritário, que deixa de lado as mais vivas expressões da realidade social. Portugal é, de novo, um país gaibéu. Como acentuou Antonio Negri, num entusiasmante livro de entrevistas com Raff Valvora Scelsi, Goodbye Mister Socialism, esta "Esquerda" estimula o êxodo, em vez de promover o afrontamento. Prefere o deserto humano a ter de partilhar experiências com as singularidades dos movimentos que se ajuramentam, um pouco por todo o lado. Esta "Esquerda" é a Direita exacerbada. (1)

(1) O sublinhado é de minha responsabilidade

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escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

2 Comments:

  • Eu ainda não sei ler bem, mas parece-me que escreveste sobre os fascistas de antigamente. O meu avô também é comunista mas a minha avó do outro avô dá catequese.
    Gostei muito mesmo do teu blogue.

    By Anonymous Anónimo, at 24 julho, 2007 00:44  

  • Foi sim, meu pequeno (Grande) Amigo.
    Foi sobre os fascistas de antigamente que aqui escrevi. Os de antigamente... e os actuais, que eles andam por aí.
    E o teu comentário, foi das coisas mais bonitas que alguem deixou neste meu blogue.
    Espero continuar a ser digno de me honrares com as tuas visitas

    By Blogger António Melenas, at 24 julho, 2007 18:48  

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