ENQUANTO E NAO

quarta-feira, julho 04, 2007

BAPTISTA-BASTOS


Há praticamente dois meses que não actualizava este blogue no qual, até então, escrevia praticamente todos os dias. Cansaço, falta de motivação, problemas de falta de vista, canseira de malhar em ferro frio, preguiça, sei lá... Já ontem voltei à actividade com um post sobre uma homenagem a meu irmão José Gouveia na sua (na nossa) terra natal. Não por ser meu irmão, mas principalmente por ter sido um lutador incansável pela Liberdade e pela democracia a assuntos que são objecto quase único deste meu blogue.

Hoje resolvi transcrever do Diário de Notícias uma crónica de Baptista Bastos e tenciono fazer deste meu blogue uma espécie de caixa de ressonância de todas ou de grande parte das crónicas que ele for escrevendo naquele Jornal . Como todos sabem ,o DN mudou há uns tempos de direcção, de formato e de orient
ação. Houve quem gostasse. Não eu. Mas mantive-me comprador e leitor diário.

O DN é um jornal de referência que acompanho desde a infância (da minha, que o jornal é bem mais velho). Uma coisa - talvez a única - me levou a ficar: a crónica semanal de Baptista Bastos.

Baptista Bastos, além de grande romancista é um dos nomes maiores do jornalismo português do último meio século. Talvez, quanto a mim, o maior jornalista português vivo. Grande e honrado - o que vai sendo raro.Corajoso e "sarrafeiro" expressão que ele próprio gosta de ostentar como uma das suas qualidades. Mas isso seria pouco, se não fosse, como é, veiculado através de uma escrita ágil, gostosa, límpida, num português de lamber os beiços...

A Crónica de hoje é disso uma bela amostra.
Haverá mais

A METÁFORA DE BELARMINO

Baptista-Bastos

"Se não aguentas seis assaltos, o melhor é desistires logo à primeira." Disse-me Belarmino Fragoso, com quem pratiquei boxe, no Desportivo da Mouraria. Belarmino era um campeão sem medo; porém, um homem malicioso e sábio. Eu, um rapaz esgalgado e um pouco mais intempestivo do que hoje sou. A frase ocorreu-me, como metáfora, ao ler que José Sócrates, no acto inaugural da Presidência Europeia, entrou, sorrateiro, pelo parque de estacionamento da Casa da Música, a fim de escapar a uma manifestação de protesto.

Digo-o de forma amistosa: Sócrates não resiste a dois assaltos. Posa de leão indomesticável, mantém um semblante grave, mas escapule-se, furtivo, à mais leve suspeita de distúrbio. A pesarosa cena, no Porto, fornece-nos o retrato de um homem que recusa enfrentar os problemas por si próprio criados e que transforma o abstracto numa vitória sobre o concreto.

As pessoas precisam de símbolos de destemor, porque desejam rever-se nessa espécie de silogismo que faz do exemplo uma criação da esperança. Cunhal, Soares, Sá Carneiro, Vasco Gonçalves, vivem nessa matriz. Podemos gostar, ou não, daquilo que foram ou ainda representam. Como diria o meu amigo Luís Pignatelli, boémio e poeta, eles conservavam a nudez de um bom verso que admite todas as rimas. Aceitaram as imprecações e as injúrias, a pressão dos dias e a convulsão de anos tumultuosos, mas nunca se esconderam. José Sócrates pertence à congregação de fugitivos cujos protótipos mais próximos podemos encontrar em António Guterres e em Durão Barroso. O destino que escolheram não resgata o seu absentismo nem acrescenta lustre à mediocridade das suas estaturas.

Todas as coisas vivem sob o império das contingências e movem-se num cortejo de incidentes. É nessas ocasiões, porém, que a consistência de carácter se revela ou se turva. A ética sobrepuja, neste caso, a doutrina, o partido e a fé.

O 25 de Abril pretendeu pôr cobro a todos os medos e terminar com a "distanciação" (lá salta, outra vez, a obscena palavra!) que opunha os governantes aos governados. O fervor de então admitia ser possível defender os homens dos homens, e criar as relações essenciais a um entendimento sem evasivas nem ambiguidades. Os acontecimentos posteriores demonstraram que as alianças sentimentais tinham deixado de ser viáveis.

No Porto, ao desembaraçar-se da maçada de ter de ouvir protestatários no desemprego, José Sócrates ilustrou a metáfora do campeão. Deixou-nos a inquietante suspeição de que ou é tímido, ou medroso, tímido ou pedante. E perdeu o momento de demonstrar, a tão egrégios convidados, que o diálogo pode ser o antídoto do ruído."

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escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt

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Leia no meu outro blogue
http://escritosoutonais.blogspot.com/
TROVOADA NA ALDEIA
Mais um texto meu que fui buscar ao baú de velharias

4 Comments:

  • Conheci e privei bastantes anos com o BB. Acho que a sua escrita escorreita como jornalista fazia falta nos nossos jornais, onde cada vez mais se encontra gente que está longe de saber, no mínimo, conjugar um verbo correctamente.
    Tive pontaria ao decidir visitar-te neste espaço.
    Bjs
    TD

    By Blogger Teresa David, at 05 julho, 2007 13:19  

  • Conheci o BB nos "tempos da outra senhora".
    Escrevia ele no Diário Popular.
    Costumo acompanhar a sua escrita como jornalista por onde vai passando...

    Um beijinho, António, e as melhoras

    By Blogger Maria, at 07 julho, 2007 03:11  

  • Também arranjei tempo para o visitar neste espaço.

    Se no outro seu blog vieram as recordações neste foram as palavras sempre certeiras deste Português que escreve como poucos e não tem medo de emitir a sua opinião.

    Abraços.

    By Blogger LUIS MILHANO (Lumife), at 07 julho, 2007 19:15  

  • Boa noite, Amigo António
    Obrigado pela visita mas também pelas palavras com que se dignou dirigir-me.
    Que nunca lhe falte motivação e saúde para que continue a enviar-nos brilhantes textos do BB nesta sua bonita caixa de ressonância.
    Um Abraço

    By Blogger MGomes, at 08 julho, 2007 23:28  

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