JOSÉ GOUVEIA homenageado na sua sua aldeia natal
Da luta pela Liberdade e pela Democracia fez razão de toda a sua vida |
Finalmente,
o maçorano José Augusto Gouveia,
destacado lutador pele liberdade e pele democracia
no nosso país, agraciado com a Ordem de Liberdade
e com placas toponímicas em sua honra
em várias outras localidades,
é recordado na terra que o viu nascer
homenagem a José Augusto Gouveia
promovida pela Assembleia de Freguesia de Maçores
na passagem do 85.º aniversário do seu nascimento
(29.VI.1922 – 29.VI.2007)
Palavras de António Gouveia (seu irmão) que, por por se encontrar doente, delegou no Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia, a respectiva leitura
Senhor Presidente da Assembleia de Freguesia, Senhores Membros da Assembleia de Freguesia, Senhor Presidente da Junta da Freguesia, Senhores Vogais da Junta de Freguesia, estimados Maçoranos e Amigos.
Na sequência de uma proposta do nosso conterrâneo e meu querido Amigo o Dr. Carlos d’Abreu, entendeu a Assembleia de Freguesia de Maçores homenagear a memória do maçorano José Augusto Gouveia, com a colocação de uma placa com o seu nome e a sua condição de “lutador pela Liberdade e pela Democracia” na frontaria do edifício-sede dos órgãos autárquicos da nossa Freguesia.
A proposta foi generosa, a aprovação foi louvável, a homenagem é justa.
Como irmão do homenageado e em representação de sua família, cumpre-me dizer umas breves palavras de agradecimento e sobre ele tecer também breves considerações:
O nome do maçorano José Augusto Gouveia já existe em três ruas (uma delas na sede do nosso Concelho que o Senhor Presidente da República, porque o conhecia pessoalmente, fez questão de ser ele próprio a inaugurar), numa praceta, num complexo desportivo e na última casa onde viveu e acabou os seus dias.
Pois posso garantir que, se ele pertencesse ainda ao número dos vivos – o que no nosso país (e não só) seria muito improvável, dado que só depois de morto se reconhece valor a alguém – nenhuma dessas homenagens lhe daria tanto prazer como a que agora está recebendo na sua aldeia natal que ele muito amou. Nem a ele, nem a mim, confesso.
Tal como todos os seus ancestrais, da parte dos Melenas, foi em Maçores que o José Augusto nasceu. Foi aqui que brincou, que cresceu, que trepou ao olmo da Rua Nova, que foi aos ninhos, que foi à lenha ao monte Ladeiro, que andou na escola, que fez a instrução primária com uma professora que era sobrinha do poeta Guerra Junqueiro – pormenores e vivências que ele nunca esqueceu e dos quais sempre falava com muita saudade.
A vida era muito difícil no País atrasado que então éramos, mas era particularmente dura numa aldeia como a nossa, sem recursos, sem perspectivas de trabalho que não fosse, para a maioria dos habitantes, o sofrido amanho do pedacito de terra – quando a tinham – para satisfação das necessidades mais imediatas, sem água canalizada, nem luz, sem transportes adequados, sem ligação rápida à sede do Concelho, sem assistência na doença.
Recordo-me que, em vésperas de ter de ir a Moncorvo para fazer o exame da quarta classe, ao meu irmão nasceu-lhe um carbúnculo num dos sobrolhos que, como é sabido, provoca febre e muito mau estar. Valeu-lhe a presença ocasional do médico Dr. Ramiro Guerra que, sem outro recurso, lho queimou com o cabo de um garfo de ferro em brasa, tendo o garoto, logo na manhã seguinte, ainda a arder em febre, ido montado num burrico, com a mãe a pé puxando a arreata, pelos caminhos pedregosos da serra até à vila para fazer o seu exame. Tempos difíceis aqueles! Para todos. E os mais idosos sabem do que estou falando.
Por tudo isso, e porque não tínhamos terra para cultivar e porque o nosso pai nem era camponês nem arranjava trabalho na sua profissão, a nossa família – como tantas outras – viu-se forçada a abandonar a aldeia em busca dos meios de subsistência que aqui lhe eram negados. Como tantos outros, afinal, que tiveram de se espalhar um pouco por todo o mundo em busca de melhores condições de vida!
Só que os problemas que nos afligiam não eram apenas de índole local mas de ordem política, resultado de uma forma de governo e de regime, que além de nos coarctar a liberdade de expressão, de reunião, de voto, nada fazia pelos mais desprotegidos, preocupando-se apenas com a manutenção dos privilégios das classes dominantes.
Foi dessa realidade que o rapazinho ido de Maçores, cedo se apercebeu. E tendo-se apercebido não se conformou e, ainda adolescente, entrou na luta política, social e cultural tendente a despertar a consciência daqueles que à sua volta, no trabalho e na vizinhança eram vítimas das mesmas injustas e intoleráveis condições de vida.
E foi desse ideal, dessa luta pela liberdade e pela instauração de um regime democrático, mais justo, no nosso País que ele fez a bandeira de toda a sua vida. E em consequência dessa luta o prenderam em 1948. Mas ele voltou à luta. E de novo o prenderam em 1954. Mas ele não virou a cara. E não lhe permitiram continuar no emprego onde ganhava o sustento da sua família. Mas ele não desistiu. E em 1970 o prenderam de novo. Mas ele voltou à luta. E em 1973 voltaram a prendê-lo. Desta vez com a intenção mais que evidente de acabarem com ele. Foi torturado com tal violência física e psicológica, que julgaram ter conseguido tal objectivo. E tão certos estavam de que a luta do José Gouveia tinha acabado que, tendo-lhe causado lesões mentais que julgavam irrecuperáveis, certa noite, o foram cobardemente depositar no hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, sem avisar a família e sem nunca mais o terem reclamado.
Valeu a meu irmão o choque psicológico que lhe provocou a eclosão do 25 de Abril, que, como por milagre, lhe fez recuperar a saúde e a razão e lhe permitiu vir ainda a ter um papel importante, como Presidente da Câmara Municipal de Loures na construção da nova sociedade que esse dia instituiu – continuando desta maneira e até ao fim dos seus dias embora de outra forma a luta em que empenhara toda a sua vida e que só com a determinação e coragem de homens como ele, foi possível ver triunfar.
Além das homenagens que se traduziram na publicação de um livro sobre a sua vida, na organização de diversas actividades culturais e desportivas, na atribuição do seu nome a várias ruas e equipamentos sociais, que já referi, fez ainda o Estado português questão de lhe atribuir a alta condecoração da Ordem da Liberdade.
Faltava que a terra que o viu nascer lhe reconhecesse o mérito e inscrevesse o seu nome no escol de cidadãos que, aqui tendo nascido, se notabilizaram por actos cujo benefício ultrapassa o mero âmbito dos interesses pessoais ou locais mas se alarga a toda a comunidade da Pátria a que todos pertencemos.
Modesta, embora, com a colocação desta placa com o nome de José Augusto Gouveia na fachada da nossa Casa da Freguesia, na qual se enfatiza a sua qualidade de maçorano e se salienta o seu papel de lutador pela Liberdade e pela Democracia, Maçores salda hoje uma dívida de justiça que muito honra a nossa terra e quem tal iniciativa tomou.
Como português, como maçorano, e como irmão do homenageado, sinto-me completamente gratificado.
Obrigado a todos.
António Gouveia
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3 Comments:
Que bonita história real! Parabéns!
António: espero que estejas de volta e com a tua força tão característica!
Um beijinho muito grande!
M
By Maçã de Junho, at 04 julho, 2007 22:44
Olá Menina,
Obrigado pela visita.
Tenho outra históris sobre o Zé Gouveia intitulada "o Velho, o rapaz e a bandeira" no meu outro blogue "escritos Outonais" que sei irias gostar de ler, ainda está vnos actuais
Um beijimho
By António Melenas, at 05 julho, 2007 00:11
Caro António: li sensibilizado e emocionado o artigo sobre o seu irmão, justamente homenageado, cujo trajecto, por lacuna minha, não conhecia.
Fiquei assim a conhecer a justeza das homenagens com que ele foi agraciado, pelo seu perfil de resistente antifascista e democrata, numa altura em que temos também que resistir contra esta democracia de aviário que nos impõem, canga que este povo indolente aceita pacífica e resignadamente.
As suas memórias são de vital importância para mim, de modo que tudo li com agrado e interesse. Bem-haja.
By Anónimo, at 08 julho, 2007 19:14
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