ENQUANTO E NAO

sábado, janeiro 26, 2008

ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS

Um filme com este mesmo título estreia-se na próxima semana nos cinemas do nosso país. Não sei se o filme é tão bom como o livro. A maior parte das vezes não é, Mas este,com a chancela dos irmãos Cohen é, certamente, tão bom, ou melhor.
Aconselho vivamente a leitura do livro e o visionamento do filme.
É uma história terrível sobre uma sociedade terrível. um mundo asfixiante, impiedoso, cruel.
Trata-se de uma caricatura, é certo. Mas a realidade não anda muito distante. Esta é a civilização ocidental e cristã de que tanto nos orgulhamos e queremos impor aos outros

* * * * * * * * * * * * * * * * * *

A história desenvolve-se no final dos anos setenta, na fronteira do Texas com o México, onde ladrões de gado deram lugar a traficantes de droga e pequenas cidades são agora zonas abertas de combate.

Llewelyn Moss encontra uma carrinha cheia de cadáveres, um carregamento de heroína e dois milhões de dólares no banco traseiro. Ao apoderar--se do dinheiro, dá início a uma cadeia de reacções de violência catastrófica que nem a lei pode controlar.

Com temas tão antigos como a Bíblia e tão sangrentos como os títulos dos jornais actuais, No Countryfor Old Men é uma obra de enorme originalidade.

«Profundamente perturbadora... A mais acessível de todas as suas obras.»
The Washington Post

«Fascinante... Um drama pungente e intenso, rompendo cada cenário assustador e violento com uma economia e precisão cinematográficas.»
The New York Times

«Cormac McCarthy consegue resultados monumentais a partir de um processo lento de simplicidade implacável. Este livro deixá-lo-á sem fôlego e aterrado.»
Sam Shepard

«Nenhum resumo lhe fará justiça e o mistério é o suficiente para deixar o leitor ofegante... Cormac McCarthy explora temas como a culpa e a responsabilidade, o amor e a ambiguidade moral, e o modo como a memória nos constrói.»
Si. Petersburg Times

«Tão forte e violento como toda a sua obra... É um génio na construção do enredo e somos levados pelo puro domínio da forma.»
The Denver Post


* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Cada capítulo é antecedido de um preâmbulo, em itálico, que não tem a ver directamente com o desenvolvimento da trama, onde um xerife de um remoto condado dos EUA, à beira da reforma tece considerações sobre a sua vida, a sua profissão e o mundo que o cerca
Ofereço-vos um desses solilóquios, que abre o capítulo XII. Dá uma ideia do espírito da obra.
Vale a pena ler.


XII

Acordo a Loretta só por estar acordado na cama. Estou ali deitado e ela diz o meu nome em voz alta. Como que a perguntar-me se estou mesmo ali. As vezes vou à cozinha e trago-lhe um ginger ale e ficamos os dois sentados no escuro. Quem me dera ser capaz de encarar as coisas com a descontracção dela. O que vi do mundo não fez de mim uma pessoa cheia de espiritualidade. Ao contrário dela. Ela aflige-se comigo, além do mais. Eu bem vejo. Sendo mais velho e o homem do casal, achei que ela é que ia aprender comigo, e foi isso que aconteceu, em muitos aspectos. Mas sei perfeitamente qual de nós está em dívida para com o outro.

Acho que sei para onde é que estamos a caminhar. Estamos a ser comprados com o nosso próprio dinheiro. E não são só as drogas. Há gente a acumular fortunas de cuja existência ninguém sonha sequer. O que é que as pessoas julgam que vai resultar de todo este dinheiro? Dinheiro capaz de comprar países inteiros. Já aconteceu. E este país? Alguém conseguirá comprá-lo? Não me parece. Mas o dinheiro vai fazer com que tenhamos dares e tomares com pessoas muito pouco recomendáveis. Nem sequer é um problema de ordem pública. Duvido que alguma vez tenha sido. Sempre houve drogas. Mas as pessoas não acordam de manhã e decidem drogar-se sem motivo. Aos milhões. Não tenho resposta para isto. Sobretudo, não tenho uma resposta que me dê ânimo. Aqui há uns tempos, disse a uma jornalista — uma rapariga nova, parecia bastante simpática. Ela estava só a tentar fazer o seu papel de jornalista. Perguntou-me assim: Xerife, como é possível ter permitido que a criminalidade atingisse estas proporções no seu condado? Cá a mim pareceu--me uma pergunta pertinente. Se calhar era mesmo uma pergunta pertinente. Seja como for, respondi-lhe assim: Tudo começa quando deixamos de ligar importância às boas maneiras. Quando deixamos de ouvir as pessoas a tratar-se por Meu senhor e Minha senhora, é porque o fim já está bem próximo. E depois disse-lhe assim: Isto afecta todas as classes sociais. Já ouviu dizer isto, ou não? Todas as classes sociais? Acaba por se cair no género de degradação da ética mercantil em que começam a aparecer pessoas mortas no meio do deserto, sentadas dentro dos carros, e nessa altura já é tarde de mais.

Ela olhou para mim com uma cara assim a modos que esquisita. E então eu disse-lhe uma última coisa, e se calhar tinha feito melhor em estar calado, disse-lhe que ninguém consegue fazer negócios de droga sem haver drogados. E muitos drogados andam bem vestidos e têm empregos com grandes salários. E disse-lhe: Você é bem capaz de até conhecer alguns.

A outra coisa são os velhos, e eu não consigo deixar de pensar neles. Olham para mim e vejo-lhes sempre uma pergunta estampada no rosto. Não me recordo de as coisas serem assim há uns anos. Não me lembro de ser assim quando eu era xerife nos anos cinquenta. Olhamos para eles e nem sequer têm um ar confuso. Parecem enlouquecidos, nem mais. Isto incomoda-me. Ficamos com a impressão de que eles acordaram e não sabem como é que vieram parar ao lugar onde estão. Bom, num certo sentido não sabem.

Esta noite, ao jantar, ela disse-me que esteve a ler São João. O Apocalipse. Sempre que eu me ponho a falar do estado do mundo ela desencanta qualquer coisa na Bíblia, por isso perguntei-lhe se o Apocalipse dizia alguma coisa sobre o rumo que o mundo está a tomar e ela disse que depois me dizia. Perguntei-lhe se lá falava em cabelos verdes e ossos no nariz e ela disse que não, pelo menos assim de maneira tão explícita. Não sei se isto é bom sinal ou não. Então ela veio por trás da minha cadeira e abraçou-me o pescoço e mordeu-me a orelha. Ainda é uma rapariguinha, em muitos aspectos. Se eu não a tivesse junto de mim, não sei o que teria de meu. Bom, até sei. E não era precisa uma caixa para o guardar, garanto-vos.