ENQUANTO E NAO

sábado, fevereiro 24, 2007

JOSÉ AFONSO

Fez ontem 20 anos que morreu o grande, o incomparável compositor, poeta, cantor de intervenção e sobretudo e ao mesmo tempo, um lutador antifascista, um homem de uma coerência de uma dignidade a toda prova.

José Afonso, o Zeca, como era carinhosamente tratado, nunca se acomodou, nunca procurou caminhos fáceis. Nem na sua vida privada, nem no seu percurso politico, nem na produção da sua música e das sua letras. Ele soube conciliar a música popular portuguesa e os temas tradicionais com as palavras de luta e de combate a tudo o que lhe parecesse injusto.

Antes do 25 de Abril, sendo professor, o ensino secundário foi impedido de leccionar pelo governo salazarista, apenas por causa do seu conhecido desafecto ao regime. O Zeca, porém arranjou maneira de continuar a “ensinar” da forma que mais gostava: através do canto e da palavra poética. De viola em punho, correu durante anos o país de lés de lés, cantando em colectividades de recreio ou culturais, ou académica não para fazer espectáculos – palavra que ele detestava – mas para fazer sessões de esclarecimento, sempre com a PIDE atrás dele, proibindo tais sessões quando delas tinha conhecimento, ou intervindo por vezes meio. Claro que não esteve só Outro cantores de intevenção se juntara a ele, mas ele era o mais talentoso, o mais integro – aquele que cujas baladas mais calavam no cortação de todos os que escutavam a sua voz meio rouca mas com uma força e uma beleza incomparáveis.

Depois do 25 de Abril, já em liberdade, continuou a compor canções de luta – ele sabia que a liberdade conquistada com o 25 de Abril era apenas o começo de toda uma luta que era preciso continuar e a participar, agora de uma forma mais intensa, quase febril em todos os eventos culturais aonde fosse necessário levar a palavra de revolução.

Tinha 57 anos quando faleceu em 23 de Fevereiro de 1987 no Hospital de Setúbal , vítima de esclerose lateral amiotrófica.

A beleza e a força das suas canções, porém, jamais morrerão.

Em sua homenagem aqui deixo OS VAMPIROS - uma das sua canções mais emblemáticas. Está longe de ser melhores ou das mais bonitas, mas recordo-a por pensar que que 33 anos após o 25 de Abril, em termos de vampiragem, a situação hoje não é muito diferente. Estou mesmo convencido que se o Zeca fosse vivo e andasse por aí a cantar esta canção, ele Seria perseguido (pelo menos ostracizado), como foi no tempo do fascismo

OS VAMPIROS

No céu cinzento

Sob o astro mudo

Batendo as asas

Pela noite calada

Vem em bandos

Com pés veludo

Chupar o sangue

Fresco da manada

Se alguém se engana

Com seu ar sisudo

E lhes franqueia

As portas à chegada

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada

A toda a parte

Chegam os vampiros

Poisam nos prédios

Poisam nas calçadas

Trazem no ventre

Despojos antigos

Mas nada os prende

Às vidas acabadas

São os mordomos

Do universo todo

Senhores à força

Mandadores sem lei

Enchem as tulhas

Bebem vinho novo

Dançam a ronda

No pinhal do rei

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada

No chão do medo

Tombam os vencidos

Ouvem-se os gritos

Na noite abafada

Jazem nos fossos

Vítimas dum credo

E não se esgota

O sangue da manada

Se alguém se engana

Com seu ar sisudo

E lhes franqueia

As portas à chegada

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

O TRUÃO DA MADEIRA

Nos seus comentários das Terças-feiras, na TVI, Miguel Sousa Tavares, caracterizou hoje de forma exemplar o último número de circo (melhor dizendo o mais recente, pois que o seu apetite por actuações histriónicas é insaciável) do versátil clown que preside ao Governo Regional da Madeira.

Jardim, que nos cortejos carnavalescos se diverte a desfilar com os mais inverosímeis e ridículos disfarces, resolveu este ano festejar o rei momo. diz Sousa Tavares, com uma das suas máscaras favoritas: a de vítima do Governo Central.

De facto é essa a sua mais duradoura e conseguida performance e a que melhor lhe tem servido para levar a água ao seu moinho, chuchando na teta do Orçamento de Estado, e reclamando mais e mais, para fazer a obra de fachada que tem produzido na Madeira sem curar dos verdadeiros interesses da população madeirense.

Vem agora com o seu estudado número de circo forçar a realização de eleições antecipadas. Julga com isso criar uma crise que leve o Governo central a retomar o generoso fluxo da teta com que diversos anteriores governos mais timoratos vinham há anos alimentando o seu pendor despesista e ostentatório.

Claro que com tal atitude demagógica irá certamente reforçar a maioria que o tem apoiado - a demagogia quase sempre dá votos - e perpetuar a sua manutenção no poder, de que tanto gosta e de que há tantos anos desfruta.

Mas aquilo que ele verdadeiramente pretende, aquilo que é o móbil que se esconde atrás desta atitude – a reabertura da torneira que lhe permitia fazer as flores com que gosta de se adornar, isso ele não vai ter. E, curiosamente, mesmo aqueles que não gostam de Sócrates - e eu sou um deles – apoiam-no na atitude corajosa de não ceder perante a intolerável chantagem do senhor Jardim. A grande maioria do povo português, estou certo, o apoia neste diferendo. As Leis da República são para serem cumpridas e o senhor Jardim só tem de as cumprir como os demais portugueses. A menos que ele não o queira ser.

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"TERESINHA" - O meu primeiro soneto
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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

IVG - A VITÓRIA DO SIM


Finalmente. Portugal deu ontem um passo que pode iniciar o fim da injustiça social que, no aspecto da soberania do corpo, segregava as mulheres menos favorecidas economicamente das que, por berço ou acasos da vida, dispõem de um nível de vida superior. Sim, também aqui, como em outros aspectos da vida social se faz sentir a luta de classes. No fundo, a resistência em não permitir a todas as mulheres práticas a que só algumas têm acesso é uma típica questão de poder e de arrogância.

Isto por parte dos iluminados, claro, porque a grande maioria das pessoas que com eles alinha, o faz por incultura, por atavismo, porque sempre foi assim, porque é difícil mudar costumes de séculos. Daí a indecisão que deixou em casa mais de metade do eleitorado.

Pelos indecisos, e pelos que votaram não por convicção profunda ou falta de esclarecimento adequado, tenho a maior simpatia. Simpatia só comparável à repulsa por todos aqueles que manipulam os sentimentos religiosos e tradicionalistas dos seus concidadão menos esclarecidos.

O mundo porém avança. Devagarinho, mas avança. O resultado de ontem, comparado com o de 1998 e o maior número de eleitores que ontem se apresentou a votar, são a prova disso. Aos poucos a luz vai dissipando as trevas.
O resultado de ontem, mais do que político é uma vitória civilizacional que nenhum Partido se pode arrogar de ser sua.

E não vale a pena embandeirar em arco. Até porque há que respeitar os que votaram não seriamente convencidos da justeza do seu voto.

O resultado de ontem foi apenas a abertura de uma porta. Agora é necessário obrigar a Assembleia da República e o Governo a produzirem legislação rápida e eficaz que permita traduzir em actos o que a pergunta do referendo formulou, e que não se fique pelas piedosas intenções do costume.

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Leia a nova crónica
“TEMPO DE TREVAS”
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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

VÁRIOS

E Domingo, vamos ao voto

Espero que para dizer SIM à não criminalização das mulheres pela interrupção da gravidez, no prazo de até dez semanas e nas condições previstas na pergunta do referendo. Isto é, que possam, em boas condições de higiene, e com apoio médico e medicamentoso adequado, poderem fazer, sem serem presas, aquilo que agora se faz aos milhares, sem higiene e sem assistência médica adequada pondo em risco a própria vida, e arriscando-se a uma pena de prisão ou, pelo menos à humilhação de serem julgadas em praça pública.

É tão claro não é?

Mas atenção. Nada de se fiar nas sondagens que dão a vitória ao sim. Que ninguém fique em casa a contar com o ovo no cu da galinha, pois, como adverte na sua crónica no DN de hoje a jornalista Ana Sá Lopes, com tantas manobras, o não pode muito bem ganhar:

Mas quando Laurinda Alves acusa Sócrates de querer "perseguir as mulheres" sabemos que já entrámos no delírio. O "não" verdadeiramente "não" é coerente: crime é crime e mantenha-se tudo como dantes. Este "não" meio "sim" atamancado faz parte de uma manobra de quem quer ruído e confusão, convencido que está que ganha com a desmobilização popular. E pode ganhar. (o sublinhado é meu)

Pois é. Com papas e bolos se enganam os tolos. Não queiramos ser tolos, vamos votar para a vitória das mulheres, ou seja para a vitória do sim

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Cacicagens

Jardim deu cinco milhões de euros a jornal onde escreve.
Relatório do Tribunal de Contas manifesta "dúvidas" sobre os apoios,
O presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, concedeu em 2005 quase cinco milhões de euros em ajudas financeiras ao Jornal da Madeira onde publica frequentemente artigos de opinião, noticia hoje o matutino Público (5-2-07)

Todos leram e ouviram esta, claro : o cacique da Madeira utiliza o nosso dinheiro ( o dinheiro que recebe do “contenente”) para subsidiar largamente e com aspectos de duvidosa legalidade, o “Jornal da Madeira”, onde ele assina uma crónica quase diária e que funciona como porta voz do seu governo e das suas diatribes – assim a modos que uma espécie de Diário da Manhã do regime salazarista. Logo ele, que está sempre a vociferar contra o que chama de controlo da informação no “contenente” e a bramar contra os “mouros”, os “comunas” e não sei
não sei mais quantas bojardas do seu do seu inesgotável acervo de de desbocados impropérios.

Támbem se podia ler no Jornal de Notícias de 6/2/007

… O inenarrável Alberto João é acusado pelo Tribunal de Contas de pagamentos ilegais ao "Jornal da Madeira" que, só em 2005, chegaram a quase 5 milhões de euros (exactamente 4,6 milhões, dos quais 4 milhões em "suprimentos" mensais e 600 mil em "publicidade"). Feitas as contas, e considerando que o jornal tira uns confidenciais cinco mil exemplares, Jardim paga por cada um cinco vezes mais do que pagaria se o comprasse num quiosque (espero que, por esse preço, o jornal lhe seja ao menos mandado a casa) Jardim defende-se dizendo que paga ao "Jornal da Madeira" (em que assina quase todos os dias uma página de opinião) em nome do "pluralismo". Deve ser o único articulista do mundo que, em vez de receber pelo que escreve, paga (isto é, pagamos nós) para escrever.

Manhosices do sr Jardim. Também este com papas e bolos pretende enganar os tolos. E a verdade é que o vai conseguindo. Sem boa fama, mas com excelente proveito

Agora, finalmente, viu o Presidente da Republica aprovar a Lei das Finanças Regionais que lhe corta a transferência para o seu Governo de verbas que podem atingir já neste ano 34 milhões de Euros, ou seja 2% do orçamento regional. Será que ele que vai baixar a crista ou proclamar a independência como já tem veladamente umas vezes e outras nem tanto, ameaçado.

Parece que sim, a avaliar pelas palavras de um deputado do PSD regional e presidente da Fórum para a Autonomia da Madeira (FAMA) garantindo ao DN que a partir de agora "Cavaco Silva deixou de ser o Presidente da República de todos os Portugueses para ser o Presidente de José Sócrates e de Carlos César [Presidente do governo regional dos Açores] e ameaçando ainda que “isto não fica por aqui"

Pelos vistos é já o Grito do Ipiranga. Se deixaram de reconhecer o Presidente da República de Portugal como Presidente da Madeira, o que é isto senão uma proclamação de Independência? Vá, sejam claros. Chega de chantagem psicológica. Quem perdeu Angola e Moçambique sem sobressaltos, não é a perda da Madeira (que, no plano da afectividade, ninguém quer) que o vai deixar de rastos

Resta saber é o que pensam os portugueses da Madeira.

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Os Melhores Portugueses

Comecei por achar este concurso uma chachada. Na verdade não faz muito sentido classificar quem foram ou são os melhores portugueses se não forem estabelecidos critérios de avaliação e campos definidos do objecto da escolha. Faria sentido sim, eleger o melhor político, ou o melhor estadista, ou o melhor escritor, e por aí adiante. Tenho contudo assistido a alguns programas da RTP onde se fala das personagens já seleccionadas, conduzido pela Maria Elisa e confesso que se encarar este concurso como um jogo, um entretenimento, eles se me têm revelado muito interessantes e têm proporcionado um debate raro sobre a nossa própria história e sobre a nossa identidade como povo. E ao fim e ao cabo mal nenhum virá ao mundo se o vencedor final não for aquele que melhor nos representa. É apenas um jogo. Pena é que alguns o queiram transformar num ajuste de contas. Nada ganharão com isso.

Num desses programas ouvi há dias uma intervenção muito curiosa de um espectador através do telefone. Dizia ele: Vejo toda a gente muito admirada pelo facto de Salazar e Cunhal se encontrarem entre os dez mais votados. Já se interrogaram porquê? Já reparam que são precisamente dois homens desapegados de valores materiais e podendo ter tudo morreram pobres, ao contrário do que se vê agora para aí, que é um salve-se quem puder, cada um a meter ao bolso mais do que o outro.
É óbvio que o homem, pelo seguimento da conversa, o que queria era desprestigiar o actual estado de coisas e concluir que o Salazar é que era bom, pois logo entrou também a desancar o Álvaro Cunhal.
Mas, veneno à parte, a qualidade que ele invocou para as duas personagens, seria um bom critério de escolha, segundo o qual poucos mais se salvariam.

Estas alfinetadas porém, partem sobretudo dos intervenientes por telefone, porque da parte dos convidados da Maria Elisa, pelo menos dos que eu vi e ouvi, o assunto tem sido tratado com alguma dignidade.

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sexta-feira, fevereiro 02, 2007

INDECOROSO, senhor Ministro

Os leitores habituais deste meu blogue já repararam certamente, a pouca frequência com que agora nele escrevo. A verdade é que me sinto desmotivado para o fazer. Dado que os meus escritos abordam preferencialmente temas políticos ou sociais, o que vejo à volta é de tal forma desgostante e de tal forma os mesmos erros se repetem, que começo a ficar cansado de lutar ingloriamente contra moinhos de vento.

Olho à volta só vejo ganância, corrupção, amiguismo, exploração dos fracos pelos fortes, e uma incompetência na governação do nosso país, só comparável à auto-satisfação que os seus reponsáveis, de forma indecorosa, ostentam e apregoam.

Esta do inefável Ministro da Economia , o senhor Manuel Pinho useiro e vezeiro em gafes monumentais não ter achado melhor argumento para convencer o Governo chinês a investir no nosso país do que a garantia de que aqui se praticam dos mais baixos salários da União Europeia, não lembrava ao diabo. Razão tem Carvalho da Silva da CGTP, quando afirma que estes nossos Governantes só falam verdade no estrangeiro, pois cá dentro não reconhecem a exiguidade dos salários que os trabalhadores auferem.

Ainda hoje leio no DN em grandes parangonas , que a nossa gasolina é a terceira mais cara da União Europeia. E é. Como se pode então conceber tal discrepância, se os portugueses estão na cauda da Europa no que a salários se refere?

A desastrada (é o menos que se lhe pode chamar) afirmação do senhor Ministro da Economia situa-se ao mesmo nível lógico que teria, por exemplo, numa reunião internacional sobre turismo, o senhor João Jardim invocar como um bom motivo para se visitar a Madeira o facto (reconhecido em alguns roteiros turísticos) de ela constituir um terreno fácil para a prática da pedofilia. Não é isto tão reconhecido como a exiguidade dos nosso salários?

Qual seria, então, a diferença? Eu não vejo nenhuma. Tão indecorosa é uma, como seria a outra afirmação

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Veja também
BEM-VINDA
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