ENQUANTO E NAO

terça-feira, novembro 29, 2005

A idade dos candidatos

Não me considero pessoa desprovida de sentido de humor. Quem me conhece sabe que assim é. Entendo o humor construtivo e morro de riso, por vezes, com as piadas que visam o comportamento de determinadas pessoas, especialmente figuras públicas. Acho muito bem que, através do chiste, se denunciem gafes, omissões, exageros ou malfeitorias daqueles que nos governam ou exercem papel importante na sociedade em que nos inserimos, mas em contrapartida fico extremamente fulo sempre que me deparo com uma variedade de humor (negro, só pode ser) em chalaças baseadas na exploração de defeitos físicos, ou no estado de saúde, ou na idade das pessoas que constituem o objectos de tais graças.

Vem isto a propósito das graçolas com que certos humoristas, alguns de bastante renome neste rincão provinciano em que vivemos, desprovidos de imaginação para mais altos voos, se entretêm a troçar do dr. Mário Soares com base na sua idade, em supostos exames clínicos, e na especulativa suposta falta de resistência para ocupar o lugar de Presidente da República.

Ora, a idade em meu entender, não é nem pode ser de forma alguma factor negativo a ter em conta para o bom exercício de tal cargo. Basta considerar, entre muitos outros, o exemplo de outros anciãos como o Papa João Paulo II que, idoso e doente, dirigiu uma organização tão complexa como é a Igreja católica, Conrad Adenauer, Chanceler da Alemanha Ocidental no conturbado tempo do pós guerra, Sygman Rhee, Presidente da Coreia do Sul logo após o fim da Guerra daquele país com a China, e o Presidente Reagan dos Estados Unidos da América.

Se Mário Soares resolveu apresentar-se como candidato à Presidência da República é por que se sente com competência intelectual, moral e física para ocupar esse lugar. O exercício das funções presidenciais exige sobretudo, bom senso, descernimento, espírito de conciliação, sensibilidade, afabilidade, firmeza sem intransigência, cultura, perspectiva histórica, e conhecimento do lugar exacto que Portugal ocupa no mundo e no concerto nas nações.
Ora, Mário Soares possui todas estas qualidades que, aliás, já teve oportunidade de mostrar na prática de 10 anos de mandato. Têm, portanto, agora mais enriquecido com a experiência desses 10 anos e com a aquisição de novos saberes adquiridos no desempenho de deputado ao parlamento europeu as condições para voltar a ocupar o mesmo lugar. O argumento da idade é, pois, uma grandessíssima treta destinada a deitar poeira para os olhos de gente menos atenta ou menos esclarecida. Pelo contrário, entendo que as funções de Presidente da República se coadunam perfeitamente com a figura de um “avozinho”, culto e afável, mais do que com a de um economista inculto, frio, hirto, que reduz a cifrões toda a perspectiva que tem da sociedade e do mundo.

Quer este meu arrazoado dizer que vou votar no dr.Mário Soares, certo? Errado. Quer apenas dizer aquilo que disse: a idade não pode ser considerado elemento negativo para avaliação da candidatura de ninguém à Presidência da República e muito menos a idade do dr. Mário Soares, que já provou ter competência para o cargo. Porém, por coisas que têm mais a ver com a sua actuação como primeiro ministro de como Presidente da República, acontece que eu não morro de amores por ele e, por coerência pessoal, não irei votar nele à primeira volta.

Porém, se houver uma 2ª volta, e que a mesma seja disputada apenas por ele e pelo tal concorrente que nunca se engana e nunca tem dúvidas, aí, por coerência democrática, escolherei o mal menor e votarei em Mário Soares sem qualquer hesitação. Já o fiz em duas vezes anteriores e sobrevivi. Como o país, aliás. Votaria mesmo pelo diabo se, em vez de Mario Soares, fosse ele o adversário de tal figurão. A democracia merece todos os sacrifícios.
29-11-2005

domingo, novembro 27, 2005

O autor do blogue (armado em malandro)

A Dona Efigénia


Lembram-se certamente da D. Efigénia. Era uma senhora muito velhinha, muito temente a Deus, muito serena, muito bondosa, muito caritativa, muito boa de contas, muito sábia no equilíbrio do deve e haver das suas economias. Muito casta, sobretudo. Nunca casou, nunca pecou, nem em obras nem em palavras nem em pensamentos sequer. Todo o objectivo da sua vida era a o merecimento de um lugarzinho no céu. Quando, em odor de santidade, expirou o último suspiro, logo o departamento de relações públicas do Paraíso se preparou para lhe fazer a jubilosa recepção que tão meritório comportamento justificava.

Lá estava o S. Pedro na plataforma de aterragem, cercado de anjinhos e querubins, debruçado a perscrutar o horizonte (é suposto, mas não provado que o Paraíso se situe num plano superior ao deste planeta que habitamos) quando um dos querubins, com a vista naturalmente mais apurada do que o multicentenário Pedro, gritou excitado: já ai vem, já vejo a Senhora Dona Efigénia emergindo de uma nuvem, lá em baixo, ena pá que mecha que ela traz. Quando o bom do S. Pedro, compreensivelmente mais lento de reacções, conseguiu finalmente lobrigar o vulto da virtuosa senhora, já ela estava quase, quase à beira da plataforma. A velocidade porém era tanta, tanta a força da virtude que a impulsionava, que o brioso porteiro do céu, exasperado, mas com a mesma presteza com que, por três vezes, negou o Mestre no Monte das Oliveiras, lhe gritou: Porra, D. Efigénia, por favor, faça qualquer coisa, diga um palavrão, diga merda ao menos, senão entra em órbita!

Ora esta estória faz-me lembrar um certo cavalheiro, que também há uns anos (pelo menos há dez) anda congeminando a melhor forma de organizar a vidinha com o objectivo único e obcecante de conquistar um lugarzinho num certo palácio que há para os lados de Belém (até o nome tem conotações bíblicas, estão ver), para o qual se acha preferencialmente predestinado. Tal como a dona Efigénia, ele é poupadinho, ele equilibra muito bem o deve e haver dos proventos obtidos na recolha das presumíveis farrobas e figues que terá no seu quintal de Boliqueime, ele não responde a provocações dos seus adversários, ele nunca se engana nem nunca tem dúvidas e no entanto mantém um ar modesto como se fora o mais ignaro, o mais indeciso, dos seus concidadãos, ele não lê os jornais (certamente para não ser contaminado pela deletéria influência da informação que eles veiculam) ele não conhece bem a história de Portugal nem a literatura portuguesa, ele não conhece os Lusíadas, porque deve considerar coisa inútil e quiçá perniciosa, ele só muito tarde, quando isso deixou de ser perigoso e passou a ser uma actividade lucrativa, começou a interessar-se por política, ele passou a sua a sua juventude como menino muito bem comportado, estudando para obter um “canudinho” (os outros que se lixassem e que lutassem e sofressem para criar as condições que lhe permitissem a ele gozar, mais tarde, já em democracia, das benesses que o bendito canudo lhe viria a proporcionar).. enfim, como dizem os franceses,il est un bon garçon, il aime beaucoup sa mère ...

Enfim tal como a D.Efigénia, ele é tão perfeito, tão virtuoso, tão sem pecado que, a menos que caia na tentação de proferir um qualquer palavrão, bem cabeludo, acaba por entrar em órbita, vendo passar ao lado a cadeira de Belém que tanto ambiciona
Eu, pela minha parte, vou-me pegar com todos os santinhos da minha devoção, a quem rezarei todos os dias, de manhã e à hora de deitar, para que o gajo solte cá para fora o palavrão redentor.
Ámen

Comentário do meu neto João


Então sou eu, sem duvida alguém que nunca ouviu falar de António Melenas, o primeiro a comentar este blogue recentemente iniciado.Apesar de ser suspeito, devo dizer que gostei muito de ler os artigos e só espero que continues a expor as tuas opiniões perante todo o mundo que acede à Internet, para além dos já famosos sítios relativos a Maçores e Moscavide, com os quais levaste meio mundo a reviver a tua infância e juventude e a redescobrir a deles próprios ou ainda a conhecerem melhor sítios que outrora desconheciam ou ignoravam.Continua, também, este óptimo trabalho a nível informático que tens vindo a fazer, que eu - um miúdo de 16 anos, supostamente "muito à frente" destes "cotas" - invejo, admiro e vejo como um bom exemplo para aqueles que vêm no computador um "bicho de sete cabeças", e que deviam saber que há um jovem de 76 anos que faz "trinta por uma linha" na vanguarda do que se faz de bom no ciberespaço português.Beijos e abraços do teu único neto(mas dos bons),

João Gouveia Paes

sábado, novembro 26, 2005

"Cavaco Silva mais longe da vitória à primeira volta"

É este o resultado de uma sondagem que o Diário de Notícias publica hoje (24-11-2005) na primeira página. Mas que excelente notícia esta! Bem sei que outras sondagens lhe atribuem resultado mais favorável, mas embora as sondagens valham o que valem (esta foi agora inventada por mim) é animador verificar que as certezas anteriores acerca da vitória antecipada deste cavalheiro, começam a aparecer um pouco menos certas.Vem isto demonstrar que nas lutas políticas nada deve ser tomado como adquirido e bem andaram os que, não se conformando com o caldinho longa e minuciosamente preparado para levar este senhor ao colo até Belém (até porque isso seria a própria negação da democracia), desceram à liça, dispostos a disputar as eleições no terreno onde elas devem ser disputadas: a discussão e o confronto de ideias.Verdade seja que o PS teve muita culpa na demora em apresentar o seu próprio candidato, deixando o adversário firmar posições, ganhar créditos e criar à sua volta uma atmosfera de ganhador seguro, quando se sabe o quanto as pessoas, gostam de se posicionar a tempo à volta dos vencedores.Conforta-me, pois, a notícia de que esta sondagem possa vir a introduzir algum sobressalto na empáfia dos inventores de tal artimanha. E ainda o homem não disse uma só palavra que jeito tenha, ou manifestou uma só ideia susceptível de o recomendar como candidato que valha a pena eleger! É, pois, bom que o obriguem a falar.Cada palavra sua é menos um voto a seu favor. A menos que ele ache que pode manter-se até ao fim armado em múmia paralítica, com mesmo disco falhado da sua competência técnica (que os portugueses conhecem bem de mais e que nada interessa para o cargo de Presidente da República) com aquele simulacro de sorriso que deve ter andado a ensaiar há meses e com a enjoativa rigidez de quem engoliu um pau de vassoura e não sabe como se ver livre dele. Mas também nesse caso o povo português não há-de querer sentar em Belém um tecnocrata sem alma. Economistas como ele há dúzias no nosso país e não é por isso que Portugal está melhor.Eu por mim, embora “prognósticos só no fim do jogo” (esta também foi agorinha mesmo inventada por mim) aposto que o vencedor antecipado não vai vencer coisa nenhuma. Assim os portugueses não percam a memoria e a vergonha, e se lembrem das malfeitorias que sofreram na pele durante os anos em que o Sr. Cavaco deteve as rédeas da governação. Houve sim quem muito ganhasse com a sua sabedoria em jogos económicos, mas a maioria do povo português não foi de certeza.E… argumento final: para que raio de diabo serve um economista na Presidência da República ?!!!

A "lata" do dr.Graça Moura

"Lembro-me de, aí por Setembro de 1975, andar a reclamar nos comícios a dissolução do MFA, a queda do Directório, a demissão de Vasco Gonçalves, e de como essas propostas suscitavam um clamor de adesão popular entusiástica”.
Ora aqui está uma tirada brilhante do dr.Vasco Graça Moura. Consta o seu artigo publicado no Diário de Noticias de 23/11/2005 o título “A Lição do 25 de Novembro”Também eu me lembro dessas reclamações que ele e os seus correligionários faziam na altura, tal como me lembro de o ver, envergando um camisolão de gola alta, com um ar muito revolucionário e palavras pretensamente revolucionárias, como convinha, participando em reuniões organizadas pela Intersindical (assim se chamava na altura a CGTP), para debates sobre a reestruturação da Segurança Social.Mas voltando à brilhante tirada do dr. Vasco Graça Moura: Ainda que mal pergunte, que raio de sentido tem enfatizar a adesão entusiástica dos participantes (as poucas ou muitas centenas que possam caber num qualquer recinto) de um comício organizado por um (qualquer) Partido, relativamente aos slogans, palavras de ordem ou inflamados discursos dos seus organizadores e intervenientes? Se algum valor se pode atribuir ao entusiasmo dos participantes nesse tipo de reuniões, então porque não falar das manifestações das centenas de milhar de pessoas que, por essa mesma altura, inundavam as ruas de Lisboa e do País em apoio do MFA e do Governo de Vasco Gonçalves, isto é, apoiando exactamente o contrário do que o dr. Graça Moura reclamava e os assistentes dos seus comícios aplaudiam?Valor, zero, dr. Graça Moura.
E é com argumentos deste tipo que o “sotor” pretende explicar a “Lição do 25 de Novembro” – a data negra que interrompeu a marcha da revolução do 25 Abril e que só não repôs o “24” porque os revanchistas que se encavalitaram na organização do golpe, sabiam que apesar da vitória obtida no equilíbrio dos quartéis, a relação de forças e o sentir de grande parte da população não lhes era completamente favorável.Mais adequado ao significado da data é o título (apesar da intenção do autor) do artigo da página 5 do mesmo DN , “25 de Novembro, a data que ninguém quer”

sexta-feira, novembro 25, 2005

Nota sobre o 25 de Novembro

A direita trauliteira, mai’la direita civilizada, mais alguns elementos de uma esquerda que de esquerda só tem o nome, têm-se empenhado sempre em passar a ideia de que o golpe do 25 de Novembro foi uma acção patriótica para salvar a Pátria em perigo, destinada a fazer abortar um suposto e iminente golpe do PCP para se apoderar do poder.

Sempre, na cabeça de muita gente, e também na minha, ficou a ideia de que nesse dia nebuloso as coisas não se teriam passado exactamente assim. Ora hoje numa entrevista concedida ao Diário de Notícias (é o que faz eu ter a mania de me manter informado, nem que seja apenas através da leitura um jornalzito todas as manhãs), diz o jornalista catalão, Josep Sanchez Cervelló – um dos mais informados do mundo sobre eventos relativos à Revolução dos cravos e ao chamado PREC – … no 25 de Novembro o PCP só queria alterar a relação de forças dentro da força aérea e recuperar as posições perdidas.

E assim foi, com efeito. Colada ao Grupo dos Nove, onde havia gente honesta que apenas pretendia moderar um pouco os exageros do processo revolucionário (que os houve e era natural que houvesse) a direita revanchista tinha vindo paulatinamente a substituir, em seu proveito, as chefias das diversas unidades militares, sobretudo na força aérea. Aí, o PCP, como era esperado, mexeu-se na tentativa de reequilibrar a situação. Era o pretexto e a ocasião que a direita militar – a força que realmente mandava no terreno, já que o Grupo dos Nove mantinha apenas a liderança ideológica – com a cúmplice passividade, diga-se, do homem mais poderoso de então, o “revolucionaríssimo” Otelo - aproveitou para dar o golpe que insidiosamente preparara.

Felizmente que o PCP, através do seu líder, dr.Álvaro Cunhal, mesmo contra a vontade de alguns elementos mais exaltados, teve a coragem e o sangue frio de não se deixar envolver (não vence quem tem a razão mas quem tem as armas), preferindo a negociação ao confronto. E, continua o jornalista catalão, …
desta forma o PCP evitou também uma guerra civil, que teria sido muito má para Portugal e para a Europa …o contrário significaria possivelmente alguns fuzilamentos…

Para cada um a sua verdade, diz-se, mas infelizmente a “verdade” que fica é sempre a verdade dos vencedores. Sempre foi assim, porque é que neste caso havia de ser diferente? Uma coisa porém é certa: o 25 de Abril permanecerá para sempre na memória e no coração do povo português, enquanto o 25 de Novembro, por muito que o queiram dourar, será apenas… uma data.