ENQUANTO E NAO

segunda-feira, novembro 27, 2006

MÁRIO CESARINY

Morreu Mário Cesariny

Nasceu em Lisboa em 1923 e em Lisboa faleceu ontem com 83 anos de idade . Foi um artista inconformado que nunca se sujeitou a regras nem a escolas, embora se reclame de surrealista e assim o considerem os críticos.

Estudou belas-artes na Escola António Arroio e música com Fernando Lopes Graça. Mais tarde, viria a frequentar a Academia de La Grande Chaumière, em Paris, cidade onde conheceu André Breton, em 1947, e ainda nesse ano, integrou oGrupo Surrealista de Lisboa, afastando-se, então do movimento neo-realista

Passou, a partir daí, a adoptar uma atitude estética de constante experimentação, logo visível nas suas primeiras colagens e pinturas informalistas realizadas com tintas de água, e distribuídas no suporte de forma aleatória. Seria este princípio anárquico que conduziria a obra de Cesariny ao longo da sua vida (incluindo a sua produção poética, que o autor considerava construir a partir deste desregramento inicial das suas experiências na pintura). A continuidade da sua prática plástica levá-lo-ia, portanto, a seguir uma corrente gestualista, por vezes pontuada de um corrosivo humor. Dinamizador da prática surrealista em Lisboa, Cesariny iria criar «antigrupos», com a mesma orientação mas questionando e procurando um grau extremo de espontaneidade, tentativa também visível na sua obra poética. Participou, em 1949 e 1950, nas I e II Exposições dos Surrealistas, pólos de atenção de novos pintores, mas ignoradas pela imprensa.

Crescentemente dedicado à escrita, Cesariny viria a publicar as obras poéticas Corpo Visível (1950), Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), Manual de Prestidigitação (1956), Pena Capital (1957), Nobilíssima Visão (1959), Poesia, 1944-1955 (1961), Planisfério e Outros Poemas (1961), Um Auto para Jerusalém (1964), As Mãos na Água a Cabeça no Mar (1972), Burlescas, Teóricas e Sentimentais (1972), Titânia e a Cidade Queimada (1977), O Virgem Negra. Fernando Pessoa Explicado às Criancinhas Naturais & Estrangeiras (1989), e a obra de ficção Titânia (1994). A edição da sua obra não segue linearmente a cronologia da sua produção. Corpo Visível é o volume em que as características surrealistas são já dominantes — em textos anteriores, a denúncia social aproximava-se, por vezes, do neo-realismo, embora já em Nobilíssima Visão esta escola fosse objecto de um olhar crítico. O humor, o recurso ao non-sense e ao absurdo, são marcas da escrita de Cesariny, de uma ironia por vezes violenta, que incide sobre figuras e mitos consagrados da cultura portuguesa e ocidental.

Além de pintor e poeta deixou ainda ainda vários textos sobre a temática do surrealismo.

Aqui ficam três dos seus poemas:

Todos por um

A manhã está tão triste
que os poetas românticos de Lisboa
morreram todos com certeza

Santos
Mártires
e Heróis

Que mau tempo estará a fazer no Porto?
Manhã triste, pela certa.

Oxalá que os poetas românticos do Porto
sejam compreensivos a pontos de deixarem
uma nesgazinha de cemitério florido
que é para os poetas românticos de Lisboa não terem de
recorrer à vala comum.


Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Faz-me o favor...

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor - muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

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Leia também
O POEMA DE AMOR
no meu outro blogue
http://escritosoutonais.blogspot.com

Ouça também este poema na voz de Luis Gaspar,
no Programa "Lugar aos outros nº 28"
do Estúdio Raposa

No mesmo programa vai ouvir também outro poema de minha autoria
”Mulheres da minha vida”, que pode ler também no “post” de10.21.2006,
em: http://escritosoutonais.blogspot.com

3 Comments:

  • Obrigado, Melenas.
    Parbéns.
    O Mário viverá sempre. Jamais morrerá.

    Um abraço.

    By Blogger david santos, at 27 novembro, 2006 20:06  

  • Amarem-me em vida, sim. Mas porquê esquecerem-me em morto? Ninguém gosta de ser esquecido, nem mesmo o iconoclasta Cesariny que não quis ser cremado nem enterrado, tendo expressado a sua vontade de ir para um sepulcro. E tanto assim que ficou num gavetão à espera de uma oportunidade.

    By Blogger António Melenas, at 28 novembro, 2006 13:36  

  • aqui vim sim, também eu já tive vários blogs ao mesmo tempo, mas depois desisti, era muita escrita para mim, que sou electrica e cheia de energia...mas gosto muito de ti também, mas mais do outro blog hihihihi bjs sofialisboa

    By Anonymous Anónimo, at 28 novembro, 2006 15:40  

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