ENQUANTO E NAO

sexta-feira, março 03, 2006

EXCLUSÕES, VIOLÉNCIAS E PRECONCEITOS

A propósito do assassinato da Gisberta

No meu site sobre Moscavide
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localidade onde cresci e me fiz gente, tenho uma crónica intitulada o “Tito Lívio”, onde relato o assassinato, ocorrido algumas décadas atrás, de um ex-colega da escola primária, de nome Tito Lívio, a qual termina com estas palavras:

Convém recordar o mal que se fez no passado, para que a repulsa da evocação de factos tão tristes como este, leve as pessoas a tomar consciência de que ninguém tem o direito de interferir na vida e nas opções de cada um. É que a intolerância pode mesmo levar ao crime. Felizmente a mentalidade de hoje é bastante diferente, mas que longo caminho ainda a percorrer!

O bárbaro assassinato da infeliz transexual, ocorrido há dias no Porto e brutais circunstâncias que o rodearam levam-me a acreditar que afinal as coisas não mudaram tanto assim. Pelo contrário, este crime, pela gratuitidade do móbil, pela continuidade sistemática das agressões, pela fragilidade da vítima e pela pouca idade dos agressores, configura um crime de uma mostruosidade tal que não há palavras para o classificar.
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Já é um lugar comum dizê-lo, mas não é demais repeti-lo: é a organização social que nós alegremente chamamos de civilizada que produz estes monstros. Uma sociedade que se compraz em olhar para o próprio umbigo e gozar placidamente o tipo de vida que, sem grande dificuldades para uma grande maioria, as novas tecnologias lhe oferecem, sem reparar que ao lado cresce uma não-sociedade, marginalizada, discriminada, excluída, com valores diferentes ou, o que é pior, com total ausência de valores. Nós todos somos responsáveis por casos como este. Em boa verdade fomos todos nós que matámos a Gisberta.
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Há contudo uma diferença, entre esta morte e a morte do Tito Lívio. É que a morte do Tito foi acolhida com indiferença total. Mais paneleiro, menos paneleiro (o termo gay não existia então) ninguém se incomodou com isso. Esta, apesar de tudo, incomodou-nos a quase todos.
Sim, ainda há muito caminho a percorrer, mas já há muita gente disposta a percorre-lo. Nem tudo está perdido.
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NB. Que fique bem claro, porém: A ideia de que a sociedade a que pertencemos tem culpa na criação de condições susceptíveis de levar a crimes como este, não implica, em meu entender, a desresponsabilização dos indivíduos que o cometeram. Nem todos os excluídos cometem crimes.