ENQUANTO E NAO

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

ELES NÂO QUEREM ARMAR-SE EM CRUZADOS



Eles são estrelas de primeira grandeza da cultura europeia
Eles já foram objecto de censura nos países da livre expressao ocidental a que pertencem.
Eles sabem do que falam.
Eles consideram a publicação das caricaturas de Maomé uma provocação.
Eles acham que a liberdade de expressão não é, em si, um valor absoluto.
Eles acham que é preciso bom senso no uso dessa liberdade.
Eles compreendem a reacção do mundo islâmico
----------
Eu acho tudo que o eles acham.
Repetidamente o tenho dito e
continuarei a dize-lo até à exaustão.
A liberdade de expressão é um bem tão precioso e custou a tanto a conquistar
que não é para ser ulilizada de ânimo leve. É um asunto sério demais para isso.
----
Entrevista com José Saramago
'É urgente educar para a tolerância'
Nobel da Literatura em 1998 diz que esta crise resulta da falta de bom-senso

surpreenderam-no as reacções violentas?
...... Que algumas manifestações tenham sido organizadas não temos que nos admirar, porque já se sabe a facilidade com que isso se faz. E também não me surpreendeu a violência. 0 que realmente me apanhou desprevenido foi a irresponsabilidade do autor ou dos autores desses desenhos. Alguns opinam que a liberdade de expressão é um direito absoluto, o único direito absoluto que existe, enquanto todos os outros são relativos. A crua realidade impõe limites.
Imaginemos que o desenhador dinamarquês, em vez de fazer uma caricatura a ridicularizar Maomé, desenhava uma mostrando que o director do jornal era um imbecil. Seria muito corajoso, mas no dia seguinte provavelmente estaria na rua.

Que fazer? Autocensurar-se?
Não se trata de autocensura, mas sim de usar o bom senso. Numa situação como a que vivemos, e conhecendo a susceptibilidade que existe em torno destes temas, o bom senso deve ditar-nos o que fazer. Alguém verdadeiramente responsável, que tivesse a certeza que uma caricatura podia ser como deitar gasolina para o fogo, guardá-la-ia para melhor ocasião.

Haverá conciliação?
..Pressupõe-se um ensino que eduque no respeito pelas crenças dos outros; e ainda que isso fosse feito seria obra para uma geração... Se não for concebido um modo de chegar a um pacto de não-agressão entre as religiões, também não se poderá chegar a essa aliança de civilizações de que tanto se fala. Quem assinará o pacto? Não vejo o Papa e outros representantes de outras confissões cristãs tendo à mesma mesa representantes do Islão.

O futuro será, igualmente, explosivo?
Ambas as civilizações têm vivido poucos momentos de paz; não vejo como será evitada agora a luta que está latente; talvez quando a tolerância se instalar como algo quase natural. Actualmente sabemos que no Iraque os professores mais abertos foram expulsos da Universidade ou estão presos... (Na democracia que a "democracia americana" instalou.
É urgente educar para a tolerância.
VISÃO/de 16-2-2006 (excerto)

-----------------------------

Entrevista com Gunther Grass
'De onde tira o Ocidente a sua arrogância
?'

Escritor alemão e Nobel da Literatura em 1999 acusa Jyllands-Posten de provocação

Surpreendeu-o que a pu­blicação destes desenhos tenha provocado tanta polémica?

Sim e não. Todos sabemos que existe uma lei, escrita e não escrita, de acordo com a qual, no mundo islâmico, não se pode representar nem Alá nem o profeta Maomé. Trata-se de uma provoca­ção consciente e planeada de um jornal dinamarquês de direita. Organizaram um concurso de caricaturistas; alguns negaram-se a parti­cipar, alegando que a repre­sentação gráfica de Maomé é tabu. Consultaram um es­pecialista dinamarquês em islamismo e este desaconse­lhou-os. Prosseguiram, por­que são radicais de
direita e xenófobos.

E surpreenderam-no as reacções violentas?
Vivemos numa época em que a uma reacção vio­lenta se segue outra igual. A primeira foi uma acção do Ocidente, que invadiu o Iraque. Hoje sabemos que essa invasão violou o direito internacional; a guerra foi alimentada por argumentos fundamenta-listas por parte de Bush, que disse que nesta guer­ra lutavam o Mal e o Bem. Do que se trata é de uma resposta fundamentalista a uma acção fundamen­talista. E não se trata aqui de uma controvérsia entre duas culturas, mas de uma
controvérsia entre uma não cultura e outra não cultura.

Que fazer? Autocensurar-se?
0 Ocidente conduz esta discussão com autocomplacência, na base de que usufruímos de liberdade de imprensa. Mas quem não se deixa enganar sabe que os jornais vivem da publicidade, e que para os fazer tem de ser tomado em consideração o que mandam certos pode­res económicos. A imprensa faz parte de grandes grupos que monopolizam a opinião pública. Perdemos o direito de nos escudarmos no direi­to de liberdade de opinião: não passou muito tempo desde a época em que havia o crime de lesa-majestade, e não devemos esquecer que há sítios onde ainda não há separação entre a Igreja e o Estado. De onde vem essa arrogância do Ocidente para impor o que se deve e não de­ve fazer? Recomendo a toda a gente que dê uma vista de olhos aos desenhos: lembram os de um famoso jornal ale­mão dos tempos nazis, Der Strúmer. Publicou caricatu­ras anti-semitas do mesmo estilo... Não se pode invocar a liberdade de expressão sem analisar como esta está no Ocidente.

Será esta uma manifes­tação do choque de civi­lizações?
Isso é o que querem os fundamentalistas de ambos os lados. Deveríamos começar a ponderar. Tivemos a sorte de passar pelo Renascimen­to, pelo Século das Luzes, atravessando um processo doloroso que nos trouxe uma série de liberdades, as quais continuam a estar ameaça­das. 0 mundo islâmico não passou por este processo, encontra-se numa fase di­ferente de desenvolvimento. E temos de respeitá-lo.

O futuro será, igual­mente, explosivo?
Receio que sim. As feridas são já muito profundas, 6 não me refiro só aos países árabes, mas também aos países pobres em geral. 0 Ocidente não parece capaz de encontrar um caminho para aceitar es­ses países como parceiros. Tem sido impossível criar para eles as mesmas con­dições que queremos para nós. Nos anos setenta, Willy Brandt redigiu, a pedido da ONU, um relatório sobre os problemas Norte/Sul e pre­viu os problemas que temos nos nossos dias. Este rela­tório continua válido.

Viveu alguma expe­riência de intolerância?
Quando publiquei O Tambor fui acusado de blasfémia e de pornografia, tanto nos países comunistas como em Espanha e Portugal, onde o livro esteve proibido.
Visão de 16-2-2205
Nota: os sublinhados e os comentários a azul são de minha inteira responsabilidade

1 Comments:

  • Olá amigo António... Tudo verdade, verdadinha. A liberdade de expressão está a ser arrastada para o mesmo espaço, para o mesmo vazio em que já caíram as ditas democracias modernas, onde certos valores foram subjugados, assolapados pela lógica da economia de mercado, que muitos de nós ainda reconhecemos e denominamos por capitalismo. Em nome da liberdade de expressão, que para nós portugueses é uma conquista de apenas 30 anos, alguns senhores xenófobos do Ocidente afrontaram premeditadamente os ícones sagrados dos muçulmanos e, aqui nesta terrinha tão católica, quem já se esqueceu da celeuma provocada pelo desenho caricatural de António, que resolveu colocar um inofensivo preservativo no nariz do Papa... Na altura, para quem tem memória curta, também a liberdade de expressão andou pelas bocas de sábios e presumidos... Mas, neste caso, a dimensão do protesto só mostra e confirma que foi o senhor Bush quem iniciou uma cruzada contra o mundo Árabe. O motivo mais visível esteve no petróleo, segundo diversos analistas, para mim estão ainda em interesses inimagináveis, promessas e compromissos inusitados com os senhores do capital... Com Bush o mundo tornou-se de facto mais inseguro, mas porque isso convinha ao dono da América do Norte, aspirante a dono do Planeta.

    By Anonymous Anónimo, at 18 fevereiro, 2006 01:35  

Enviar um comentário

<< Home