ENQUANTO E NAO

segunda-feira, julho 24, 2006

ISRAEL, contas furadas


Parece que desta vez a arrogância de Israel está a levar uma resposta pela qual não esperava. Afinal a Mossad também se engana. Julgava que a agressão ao Líbano era um questão de poucas horas ou dias, e afinal saiu-lhe um osso mais duro de roer do que aquele com que contava. Ainda ontem dizia que a operação iria durar mais uns dez dias, na convicção de que nesse prazo de tempo teria neutralizado as milícias do Hezbollah, afinal já hoje vem a falar na necessidade de um cessar fogo. Também a sra. Condoleeza Rice afinava pelo mesmíssimo defendendo que era necessário dar a Israel os 10 dias de que este necessitava para consumar a sua operação de limpeza e já hoje vem igualmente falar na necessidade de estabelecer um cessar fogo. Pois é muito fácil. Quem começou a agressão que lhe ponha fim e os outros lhe seguirão exemplo.

Só que não ha cessar fogo algum que devolva a vida às centenas de mortos que esta guerra brutal e não declarada provocou, nem que levante os prédios reduzidos a escombros, ou relance as ponte destruidas ou concerte as estradas esventradas, nem que faça esquecer a arrogância deste governo de Israel, que ainda hoje ameaçou (ouvi na TSF) que "por cada prédio destruido pelos rockets do Hezbolla destruirá 10 prédios no Líbano"

E o nossso Governo? Esse vai na onda, como sempre. O que o Sr. Bush fizer está bem para ele. Só agora, que a maré está a mudar é que o Sr. Sócrates entendeu por bem pronunciar-se, tomando mesmo a iniciativa de propor um encontros dos MNE dos países da União Europeia para debater o assunto. Tarde e más horas.

A propósito deste embróglio, permito-me transcrever, data vénia, um artigo publicado hoje no PÚBLICO:


"Israel subestimou a capacidade de combate do Hezbolhah"
Público 24-07-06

Ana Navarro Pedro em Paris
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Tido como um dos melhores especialistas internacionais em geopolítica, este professor francês mostra-se pessimista
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com a situação no Médio Oriente e afirma que as soluções militares "são sempre provisórias", causando novos problemas políticos e estratégicos muito mais importantes, a curto prazo. Por
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Pascal Boniface é director do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), um dos mais importantes think tanks franceses. Autor de uns quarenta livros sobre geopolítica, professor universitário, foi membro do Comité Consultivo para o Desarmamento junto do secretário-geral da ONU entre 2001 e 2005.
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Que razões determinaram a operação de guerra de Israel no Líbano?
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A amplitude desta operação indica que estava preparada desde há muito e que o rapto de dois soldados israelitas pelo movimento xiita libanês Hezbollah foi a ocasião escolhida para a lançar. Duvido que bombardear de forma tão intensa o Líbano seja eficaz. Não se obtém assim a libertação de dois soldados, nem se alcança o objectivo indicado por Israel: destruir o Hezbollah. Para isso seria preciso lançar uma operação terrestre. E se Israel hesitou em fazê-lo, é porque sabe que, se as infra-estruturas do Hezbolhah fossem destruídas, seriam reconstruídas em pouco tempo. Não esqueçamos que foi a invasão do Líbano por Israel, em 1982, que facilitou o aparecimento do Hezbollah. E se for erradicado agora, a pergunta seguinte é: que novo tipo de Hezbollah sairá desta guerra?
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Uma iniciativa diplomática tem hipóteses de sucesso?
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Não há solução militar viável neste tipo de conflito. Mas, por ora, os Estados Unidos não se mexem no sentido de uma solução diplomática porque querem dar tempo a Israel para ter sucesso na opção militar. O problema é que as soluções militares são sempre provisórias e, em geral, causam problemas políticos e estratégicos muito mais importantes a curto prazo
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Quanto tempo pode durar essa opção militar?
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A antiga secretária de Estado Madeleine Albright - de quem não se pode dizer que tenha simpatias pró-Hezbollah ou sentimentos anti-israelitas - disse desde os primeiros dias de combate que era lamentável que Condoleeza Rice ainda não tivesse sido enviada ao Médio Oriente. Os EUA deixam a rédea solta a Israel porque acreditam numa escolha binária - que há os bons e os maus e que a solução militar é mais eficaz contra os maus. Mas Rice partiu para o Médio Oriente este fim-de-semana e vai voltar lá daqui a uma semana. Tudo isto parece ser uma operação cuidadosamente concertada para assinalar o começo do fim da carta branca dada por Washington ao exército israelita.
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Os EUA serão credíveis como mediadores diplomáticos depois de terem alinhado incondicionalmente com Israel?
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Se Washington quiser desempenhar esse papel terá de contactar com gente a quem recusa falar hoje, tanto em Damasco como em Teerão. Senão, terá de recorrer à mediação da Rússia, que está de novo influente no Médio Oriente.
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Israel pode aceitar um cessar-fogo sem ter alcançado pelo menos uma parte dos seus objectivos?
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No plano político, não. Mas, no plano militar, não vejo como é que Israel vai recuperar os seus soldados raptados sem um cessar-fogo - salvo acaso milagroso, mas é de crer que o Hezbollah os terá enviado para uma zona pouco acessível. A estratégia dos bombardeamentos aéreos falhou. Seria necessário que o estado-maior israelita admitisse o seu fracasso e que o poder civil israelita, que autorizou essa estratégia, fizesse o mesmo. Isso exige uma coragem imensa, mas tentar ganhar com combates terrestres o que não se ganhou com a guerra aérea seria muito arriscado.
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O exército israelita subestimou a capacidade de combate do Hezbollah?
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Israel estimou perfeitamente a capacidade de inacção da comunidade internacional, e subestimou a capacidade de resposta do Hezbollah. Israel apostou que, ao tomar o Líbano como refém, o resto do povo libanês se revoltaria contra o Hezbollah e apostou ainda que o movimento xiita não conseguiria resistir a mais de uma semana aos golpes aéreos. Ora, nestes dois pontos, Israel perdeu a sua aposta. Mesmo se muitos libaneses são contra o Hezbollah, é para Israel que vão as principais críticas.
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Que conclusões tira da capacidade de resistência do Hezbollah?
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Primeiro, que apresentá-lo unicamente como um movimento terrorista não faz sentido: vê-se que o Hezbollah também é um adversário político determinado de Israel. Em segundo lugar, o que acontece no Líbano, incluindo o rapto dos dois soldados israelitas, mais não é do que a consequência indirecta do que aconteceu em Gaza. Na ausência de reacções dos países europeus, dos países árabes e dos Estados Unidos em relação à ofensiva contra a Faixa de Gaza, o Hezbollah entreviu um espaço político a ocupar.
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Como explica a apatia dos europeus e o silêncio dos países árabes?
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Há países árabes inquietos com o novo poder dos xiitas e que, por isso, não ficariam descontentes se vissem desaparecer o Hezbollah pró-iraniano. O que esses países não percebem é que o Hezbollah tem hoje sucesso nas opiniões públicas árabes sunitas porque o movimento preenche um vazio: representa a oposição a Israel e ao seu aliado, os EUA. No caso da Europa, recorde-se que, em 2003, uma parte dos europeus se opuseram com firmeza à guerra no Iraque. Mas hoje a sua prioridade parece ser não se zangarem com os americanos.
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O alinhamento dos EUA não provoca um vazio diplomático na região?
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A política americana no Médio Oriente faz-se ao sabor do vento, como se vê no exemplo contraproducente do Iraque, e obedece a um "laissez-faire" total no caso de Israel. O vazio diplomático não é uma causa dessa política, é uma escolha deliberada de deixar as mãos livres a Israel. Há uma proximidade cultural e intelectual americano-israelita, a ideia de "eles contra nós", de dois "países virtuosos" que se sentem cercados por adversários comuns que não são virtuosos. Isto decorre da lógica da guerra contra o terrorismo. O problema é que não se consegue combater o terrorismo desta maneira.
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