ENQUANTO E NAO

segunda-feira, maio 15, 2006

HUMBERTO DELGADO


Faz hoje 100 anos que nasceu Humberto Delgado.
Não poderia pois deixar passar esta data sem um referência ao “General sem medo” – o homem que vindo de dentro do regime ousou enfrentar e desmistificar o todo poderoso Oliveira Salazar.
Com ele o regime tremeu e apesar de durar ainda mais 16 anos, nunca mais voltou a ser o mesmo.

Nunca simpatizei muito de Humberto Delgado como pessoa, mas tenho e têm todos os portugueses de admirar a sua coragem.

Quando se apresentou a disputar as eleições presidenciais, o seu nome não foi muito bem acolhido pela esquerda organizada, principalmente pelo Partido comunista. E havia razões para isso. Ele era um homem do regime, era um militar – o que nas circunstâncias não abonava a seu favor - e tinha fortes ligações aos Estados Unidos o que também não o recomendava.

Por isso mesmo o o PCP e outras forças democráticas mais experientes e calejadas com experiências aventureiristas anteriores resolveram apresentar um candidato próprio na pessoa de um honestíssimo advogado e oposicionista o Dr. Arlindo Vicente. Eu próprio fiz parte da comissão de freguesia de Moscavide, onde morava, de apoio à candidatura de Arlindo Vicente, tendo sido em Moscavide, aliás que teve lugar a primeira sessão de propaganda a seu favor e a primeira em toda a campanha presidencial.

A forma, porém, como Humberto Delgado conseguiu mobilizar a população em seu apoio, demonstraram à evidência que era esse o caminho a seguir e não tardou que no chamado Acordo de Cacilhas, porque foi aí que se realizou o encontro, Arlindo Vicente e Humberto Delgado tivessem encontrado uma plataforma comum, desistindo o primeiro a favor do segundo e criando-se uma frente única, da qual também vim a fazer parte.

A partir daí o povo português entrou em delírio, especialmente após a sua célebre frase “obviamente demito-o” em resposta à pergunta sobre o que faria com Salazar se fosse eleito Presidente da República. As multidões acorriam à sua volta. No Porto houve uma manifestação como nunca se tinham presenciado antes. Em Lisboa, quando chegado à estação de Santa Apolónia, com uma enorme multidão esperando-o, ousou desobedecer às ordens da polícia que não queria que ele seguisse a pé até ao Rossio, o entusiasmo dos lisboetas foi levado ao rubro.

No sessão de propaganda que efectuou no Liceu Camões a sala foi pequena para conter os milhares e milhares de apoiantes que na rua o aclamavam. A GNR a cavalo tentou desmobilizar toda essa multidão mas ninguém arredava pé. Resolveu então recorrer ao único método persuasor que conhecia: a repressão. E toca a arremeter com os cavalos sobre a população, batendo em tudo o que encontrava. Homens, mulheres e crianças, novos, ou velhos, tudo comia pela medida grande. Aí gerou-se o pânico, com as pessoas a correrem em todas as direcções, perseguidos pela guarda a cavalo. Lembro-me que, juntamente com o meu irmão Zé me ter refugiado num prédio em construção perto da Escola António Arroio e de os GNR, do alto dos seus cavalos, não tendo coragem, nem tempo para se apearem e entrar na obra, começarem a disparar à toa sobre os vultos que eles sabiam terem-se ali refugiado. As balas sibilavam aos nossos ouvidos acertando nos tijolos, cujas lascas ainda causaram ferimentos em algumas das pessoas ali agachadas.

A partir dali, via-se crescer a olhos vistos a onda de esperança que animava o coração dos portuguêses. Infelizmente, porém, o “Botas” e a sua máquina policial tinham o esquema muito bem montado e conseguiram impor uma vitória que nada tinha a ver com o resultado nas urnas.

Um exemplo elucidativo: em Moscavide havia várias Assembleias de voto. Em todas a oposição perdeu, excepto naquela em que eu estava como testemunha (não autorizada). E apenas por um motivo. é que como Presidente da mesa estava um homem, um comerciante local de nome Virgílio Leitão, que sendo embora da situação era uma pessoa honesta e corajosa e que intimou os pides a saírem ou ele abandonava pura e simplesmente a Mesa. Não foi muita coincidência? Só que exemplos destes foram raros e a burla generalizou-se em todo o país.

Foi um sonho adiado. Mas o regime ficou minado por dentro e nunca mais foi o mesmo, apesar dos crimes que ainda teve de cometer entre os quais o do assassinato do próprio General.

As sementes porém estavam lançadas e o povo, juntamente com militares de uma outra geração, se encarregaram de vingar a burla das eleições de 1958, na madrugada libertadora de 25 de Abril de 1974.

Como comecei por dizer, não sou fan incondicional de Humberto Delgado. Acho que ele tinha mais coragem do que bom senso, mas a sua memória não pode ser esquecida.
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Nota: É para maiores de 18 anos

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