ENQUANTO E NAO

terça-feira, março 21, 2006

ENTREVISTA

Nestes últimos dias manifestações, algumas delas gigantescas, especialmente nos Estados Unidos, têm tido lugar um pouco por todo mundo, protestando contra a ocupação do Iraque.
Não é de mais, portanto insistir na abordagem deste tema.
O que hoje aqui deixo é uma entrevista concedida ao Diário de Notícias pelo historiador Taríq Ali. Não é um terrorista, não é um agitador, é um intelectual, inglês, de origem paquistanesa, enbora. O facto de esta entrevista ter sido publicada no Diário de Noticias de 19-3-06, não invalida o seu interesse neste blogue. É que, nos jornais e sobretudo aos domingos, com muitas folhas, pouca gente se dá conta de artigos como este.
Taríq Ali
Historiador anglo-paquistanês
Tem 63 anos, tem vasta obra publicada, como historiador,
romancista e até realizador.
Edita em Londres a New LeftReview
Entre os seus livros de ensaios,
destaque para Bush in Babylon
-----------
Taríq Ali recebeu oDN no terceiro andar do edifí­cio onde é editada a New LeftReview, publicação de esquerda com sede em Londres. Para este romancista e historiador de origem paquistanesa, assumida-mente ateu e comunista, o Ocidente não derrubou Saddam Hussein em nome da democracia e dos direitos humanos, mas sim para defender in­teresses imperialistas.

Ao fim de três anos de guerra, o mun­do é hoje um lugar mais seguro?

É exactamente o contrário. A ocupação é um desastre, em primei­ro lugar, para os iraquianos. Não há electricidade e água na maior parte do país, a tortura continua e o Iraque está no início de uma guerra civil. Tony Blair continua a defendê-la e diz que o seu único juiz será Deus, fala como um fundamentalista cristão. Bush, Rumsfeld e Cheney apoiam a intervenção, mas já perceberam que o resultado é desastroso.

0 povo iraquiano vivia melhor com
Saddam?


É um facto. As piores atrocidades de Saddam foram cometidas duran­te as guerras em que ele era aliado [do Ocidente]. A repressão dos cur-dos ocorreu durante o conflito com
o Irão, quando o Ocidente apoiava Saddam. Se recuarmos dez anos, constatamos que, apesar de a infra--estrutura social estar já então des­truída pelas sanções da ONU, o país estava bem melhor.

Não é positivo o facto de, apesar de tudo, Saddam estar a ser julgado?

Ninguém tem o direito de der­rubar governos. Porque é que não derrubaram Franco em Espanha, Caetano em Portugal ou Suharto na Indonésia? O Ocidente não derru­bou Saddam em nome da demo­cracia e da humanidade, mas sim por interesses imperialistas. En­quanto foi um aliado, Saddam esta­va bem onde estava. Deixou de o ser, foi derrubado.

Saddam tem direito a um julga­mento justo?

Sou a favor de um julgamento justo para Saddam, mas também pa­ra Blair, George Bush, Donald Rumsfeld, Dick Cheney e Jack Straw. Mentiram e as suas tropas es­tão a cometer crimes de guerra no Iraque. Quem vai julgá-los? A NATO? A UE?

As armas de destruição maciça não foram encontradas e, presumivel­mente, nunca existiram. 0 que pro­vocou, afinal, a guerra?

Os responsáveis por essas menti­ras são Bush, Blair, Aznar e Barroso, que fizeram uma cimeira nos Aço­res para justificá-la. Mas a verdadeira razão é simples. Os Estados Uni­dos ocuparam o Iraque para domi­nar um Estado que estava fora de controlo. Foi uma demonstração de força. Acharam que ocupavam o país, implementavam um governo pró-americano e atenuavam a sua de­pendência da Arábia Saudita.

Haverá uma agressão similar ao Irão a curto prazo?

Não; não têm tropas para lançar outra ofensiva. O exército america­no é formado por voluntários e as pessoas não estão a alistar-se. Os reservistas estão a aumentar e os re­crutamentos a diminuir. A única for­ma de invadir mais países é introdu­zir o recrutamento obrigatório, mas se isso acontecesse haveria uma re­volta popular.

Já houve eleições e está a ser criado um Parlamento. É justo dizer que a guerra foi ganha pelos EUA e pelo Reino Unido?

Não considero livres umas elei­ções que ocorrem durante uma ocu­pação e onde não há autorização pa­ra defender a retirada das tropas es­trangeiras. Basta pensar o que se­riam as eleições em França durante a II Guerra Mundial, com a ocupação alemã e o regime de Vichy. Os países ocidentais aceitariam os resultados?

É possível uma retirada das tropas a curto prazo?

Isso podia ser feito de duas ma­neiras. Uma era este parlamento fantoche votar a retirada, o que tornaria impossível a sua permanência. A se­gunda era uma parte da população xiita, a ala liderada por Moqtada al-Sadr, dizer "basta". Eleja disse que está na altura de cortar a cabeça da serpente, referindo-se ao invasor. Se boa parte da população xiita se unir à resistência, a ocupação não dura muito.

0 que podemos esperar, politica­mente, da resistência?

É muito fraca. É formada, por um lado, pela facção de Al-Zarqawi, com ligações à Al-Qaeda e não é repre­sentativa do Iraque. Por outro, há uma facção de oficiais do regime de Saddam que já tinham planeado uma guerra de guerrilha. São pessoas que eventualmente estariam dispostas a falar com Sadr, se ele assim o enten­desse.

Muitas vezes associa-se a guerra a um choque de civilizações. Faz sentido?

Não; desde o 11 de Setembro al­gumas pessoas nos EUA elegeram o Islão como inimigo, tentando re­criar a Guerra Fria. A maioria dos muçulmanos vive na Ásia, mas os inimigos são essencialmente os pro­dutores de petróleo do mundo ára­be. Se as pessoas que vivem nesses países fossem budistas, neste mo­mento estaríamos a discutir um choque de civilizações entre o Oci­dente e o budismo.

Foi então uma posição de força con­tra o terrorismo?

A Al-Qaeda é um grupo sem pro-jecto social que vive uma fantasia. Mas Ben Laden é claro nos seus es­critos: retirem-se do mundo árabe, não queremos as vossas bases milita­res; enquanto lá estiverem, os ata­ques continuarão. Londres foi atin­gida a 7 de Julho não porque as pes­soas andavam a ler o Alcorão, mas porque alguns jovens inocentes fica­ram muito irritados com Blair.

E no mundo árabe, há esperanças de uma revolução democrática?

Sempre que o mundo árabe esco­lhe líderes não alinhados com o Oci­dente, eles não são aceites. Os palestinianos elegeram o Hamas e, de ime­diato, ficou claro que seria esmaga­do se não se comportasse como a OLP.
_____________________________________________________________

Veja também "ESCRITOS OUTONAIS
http://escritosoutonais.blogspot.com