ENTREVISTA
Nestes últimos dias manifestações, algumas delas gigantescas, especialmente nos Estados Unidos, têm tido lugar um pouco por todo mundo, protestando contra a ocupação do Iraque.
Não é de mais, portanto insistir na abordagem deste tema.
O que hoje aqui deixo é uma entrevista concedida ao Diário de Notícias pelo historiador Taríq Ali. Não é um terrorista, não é um agitador, é um intelectual, inglês, de origem paquistanesa, enbora. O facto de esta entrevista ter sido publicada no Diário de Noticias de 19-3-06, não invalida o seu interesse neste blogue. É que, nos jornais e sobretudo aos domingos, com muitas folhas, pouca gente se dá conta de artigos como este.
Taríq Ali
Historiador anglo-paquistanês
Tem 63 anos, tem vasta obra publicada, como historiador,
romancista e até realizador.
Edita em Londres a New LeftReview
Entre os seus livros de ensaios,
Historiador anglo-paquistanês
Tem 63 anos, tem vasta obra publicada, como historiador,
romancista e até realizador.
Edita em Londres a New LeftReview
Entre os seus livros de ensaios,
destaque para Bush in Babylon
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Taríq Ali recebeu oDN no terceiro andar do edifício onde é editada a New LeftReview, publicação de esquerda com sede em Londres. Para este romancista e historiador de origem paquistanesa, assumida-mente ateu e comunista, o Ocidente não derrubou Saddam Hussein em nome da democracia e dos direitos humanos, mas sim para defender interesses imperialistas.
Ao fim de três anos de guerra, o mundo é hoje um lugar mais seguro?
É exactamente o contrário. A ocupação é um desastre, em primeiro lugar, para os iraquianos. Não há electricidade e água na maior parte do país, a tortura continua e o Iraque está no início de uma guerra civil. Tony Blair continua a defendê-la e diz que o seu único juiz será Deus, fala como um fundamentalista cristão. Bush, Rumsfeld e Cheney apoiam a intervenção, mas já perceberam que o resultado é desastroso.
0 povo iraquiano vivia melhor com
Saddam?
É um facto. As piores atrocidades de Saddam foram cometidas durante as guerras em que ele era aliado [do Ocidente]. A repressão dos cur-dos ocorreu durante o conflito com
o Irão, quando o Ocidente apoiava Saddam. Se recuarmos dez anos, constatamos que, apesar de a infra--estrutura social estar já então destruída pelas sanções da ONU, o país estava bem melhor.
Não é positivo o facto de, apesar de tudo, Saddam estar a ser julgado?
Ninguém tem o direito de derrubar governos. Porque é que não derrubaram Franco em Espanha, Caetano em Portugal ou Suharto na Indonésia? O Ocidente não derrubou Saddam em nome da democracia e da humanidade, mas sim por interesses imperialistas. Enquanto foi um aliado, Saddam estava bem onde estava. Deixou de o ser, foi derrubado.
Saddam tem direito a um julgamento justo?
Sou a favor de um julgamento justo para Saddam, mas também para Blair, George Bush, Donald Rumsfeld, Dick Cheney e Jack Straw. Mentiram e as suas tropas estão a cometer crimes de guerra no Iraque. Quem vai julgá-los? A NATO? A UE?
As armas de destruição maciça não foram encontradas e, presumivelmente, nunca existiram. 0 que provocou, afinal, a guerra?
Os responsáveis por essas mentiras são Bush, Blair, Aznar e Barroso, que fizeram uma cimeira nos Açores para justificá-la. Mas a verdadeira razão é simples. Os Estados Unidos ocuparam o Iraque para dominar um Estado que estava fora de controlo. Foi uma demonstração de força. Acharam que ocupavam o país, implementavam um governo pró-americano e atenuavam a sua dependência da Arábia Saudita.
Haverá uma agressão similar ao Irão a curto prazo?
Não; não têm tropas para lançar outra ofensiva. O exército americano é formado por voluntários e as pessoas não estão a alistar-se. Os reservistas estão a aumentar e os recrutamentos a diminuir. A única forma de invadir mais países é introduzir o recrutamento obrigatório, mas se isso acontecesse haveria uma revolta popular.
Já houve eleições e está a ser criado um Parlamento. É justo dizer que a guerra foi ganha pelos EUA e pelo Reino Unido?
Não considero livres umas eleições que ocorrem durante uma ocupação e onde não há autorização para defender a retirada das tropas estrangeiras. Basta pensar o que seriam as eleições em França durante a II Guerra Mundial, com a ocupação alemã e o regime de Vichy. Os países ocidentais aceitariam os resultados?
É possível uma retirada das tropas a curto prazo?
Isso podia ser feito de duas maneiras. Uma era este parlamento fantoche votar a retirada, o que tornaria impossível a sua permanência. A segunda era uma parte da população xiita, a ala liderada por Moqtada al-Sadr, dizer "basta". Eleja disse que está na altura de cortar a cabeça da serpente, referindo-se ao invasor. Se boa parte da população xiita se unir à resistência, a ocupação não dura muito.
0 que podemos esperar, politicamente, da resistência?
É muito fraca. É formada, por um lado, pela facção de Al-Zarqawi, com ligações à Al-Qaeda e não é representativa do Iraque. Por outro, há uma facção de oficiais do regime de Saddam que já tinham planeado uma guerra de guerrilha. São pessoas que eventualmente estariam dispostas a falar com Sadr, se ele assim o entendesse.
Muitas vezes associa-se a guerra a um choque de civilizações. Faz sentido?
Não; desde o 11 de Setembro algumas pessoas nos EUA elegeram o Islão como inimigo, tentando recriar a Guerra Fria. A maioria dos muçulmanos vive na Ásia, mas os inimigos são essencialmente os produtores de petróleo do mundo árabe. Se as pessoas que vivem nesses países fossem budistas, neste momento estaríamos a discutir um choque de civilizações entre o Ocidente e o budismo.
Foi então uma posição de força contra o terrorismo?
A Al-Qaeda é um grupo sem pro-jecto social que vive uma fantasia. Mas Ben Laden é claro nos seus escritos: retirem-se do mundo árabe, não queremos as vossas bases militares; enquanto lá estiverem, os ataques continuarão. Londres foi atingida a 7 de Julho não porque as pessoas andavam a ler o Alcorão, mas porque alguns jovens inocentes ficaram muito irritados com Blair.
E no mundo árabe, há esperanças de uma revolução democrática?
Sempre que o mundo árabe escolhe líderes não alinhados com o Ocidente, eles não são aceites. Os palestinianos elegeram o Hamas e, de imediato, ficou claro que seria esmagado se não se comportasse como a OLP.
Ao fim de três anos de guerra, o mundo é hoje um lugar mais seguro?
É exactamente o contrário. A ocupação é um desastre, em primeiro lugar, para os iraquianos. Não há electricidade e água na maior parte do país, a tortura continua e o Iraque está no início de uma guerra civil. Tony Blair continua a defendê-la e diz que o seu único juiz será Deus, fala como um fundamentalista cristão. Bush, Rumsfeld e Cheney apoiam a intervenção, mas já perceberam que o resultado é desastroso.
0 povo iraquiano vivia melhor com
Saddam?
É um facto. As piores atrocidades de Saddam foram cometidas durante as guerras em que ele era aliado [do Ocidente]. A repressão dos cur-dos ocorreu durante o conflito com
o Irão, quando o Ocidente apoiava Saddam. Se recuarmos dez anos, constatamos que, apesar de a infra--estrutura social estar já então destruída pelas sanções da ONU, o país estava bem melhor.
Não é positivo o facto de, apesar de tudo, Saddam estar a ser julgado?
Ninguém tem o direito de derrubar governos. Porque é que não derrubaram Franco em Espanha, Caetano em Portugal ou Suharto na Indonésia? O Ocidente não derrubou Saddam em nome da democracia e da humanidade, mas sim por interesses imperialistas. Enquanto foi um aliado, Saddam estava bem onde estava. Deixou de o ser, foi derrubado.
Saddam tem direito a um julgamento justo?
Sou a favor de um julgamento justo para Saddam, mas também para Blair, George Bush, Donald Rumsfeld, Dick Cheney e Jack Straw. Mentiram e as suas tropas estão a cometer crimes de guerra no Iraque. Quem vai julgá-los? A NATO? A UE?
As armas de destruição maciça não foram encontradas e, presumivelmente, nunca existiram. 0 que provocou, afinal, a guerra?
Os responsáveis por essas mentiras são Bush, Blair, Aznar e Barroso, que fizeram uma cimeira nos Açores para justificá-la. Mas a verdadeira razão é simples. Os Estados Unidos ocuparam o Iraque para dominar um Estado que estava fora de controlo. Foi uma demonstração de força. Acharam que ocupavam o país, implementavam um governo pró-americano e atenuavam a sua dependência da Arábia Saudita.
Haverá uma agressão similar ao Irão a curto prazo?
Não; não têm tropas para lançar outra ofensiva. O exército americano é formado por voluntários e as pessoas não estão a alistar-se. Os reservistas estão a aumentar e os recrutamentos a diminuir. A única forma de invadir mais países é introduzir o recrutamento obrigatório, mas se isso acontecesse haveria uma revolta popular.
Já houve eleições e está a ser criado um Parlamento. É justo dizer que a guerra foi ganha pelos EUA e pelo Reino Unido?
Não considero livres umas eleições que ocorrem durante uma ocupação e onde não há autorização para defender a retirada das tropas estrangeiras. Basta pensar o que seriam as eleições em França durante a II Guerra Mundial, com a ocupação alemã e o regime de Vichy. Os países ocidentais aceitariam os resultados?
É possível uma retirada das tropas a curto prazo?
Isso podia ser feito de duas maneiras. Uma era este parlamento fantoche votar a retirada, o que tornaria impossível a sua permanência. A segunda era uma parte da população xiita, a ala liderada por Moqtada al-Sadr, dizer "basta". Eleja disse que está na altura de cortar a cabeça da serpente, referindo-se ao invasor. Se boa parte da população xiita se unir à resistência, a ocupação não dura muito.
0 que podemos esperar, politicamente, da resistência?
É muito fraca. É formada, por um lado, pela facção de Al-Zarqawi, com ligações à Al-Qaeda e não é representativa do Iraque. Por outro, há uma facção de oficiais do regime de Saddam que já tinham planeado uma guerra de guerrilha. São pessoas que eventualmente estariam dispostas a falar com Sadr, se ele assim o entendesse.
Muitas vezes associa-se a guerra a um choque de civilizações. Faz sentido?
Não; desde o 11 de Setembro algumas pessoas nos EUA elegeram o Islão como inimigo, tentando recriar a Guerra Fria. A maioria dos muçulmanos vive na Ásia, mas os inimigos são essencialmente os produtores de petróleo do mundo árabe. Se as pessoas que vivem nesses países fossem budistas, neste momento estaríamos a discutir um choque de civilizações entre o Ocidente e o budismo.
Foi então uma posição de força contra o terrorismo?
A Al-Qaeda é um grupo sem pro-jecto social que vive uma fantasia. Mas Ben Laden é claro nos seus escritos: retirem-se do mundo árabe, não queremos as vossas bases militares; enquanto lá estiverem, os ataques continuarão. Londres foi atingida a 7 de Julho não porque as pessoas andavam a ler o Alcorão, mas porque alguns jovens inocentes ficaram muito irritados com Blair.
E no mundo árabe, há esperanças de uma revolução democrática?
Sempre que o mundo árabe escolhe líderes não alinhados com o Ocidente, eles não são aceites. Os palestinianos elegeram o Hamas e, de imediato, ficou claro que seria esmagado se não se comportasse como a OLP.
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