ENQUANTO E NAO

quarta-feira, agosto 09, 2006

QUE BELO ARTIGO!

Agora, em tempo de férias,
limitar-me-ei , em princípio, a transcrever neste blogue
artigos e opiniões de terceiros.
Em contrapartida, agora que está de férias,
pode sempre ler alguma das minhas crónicas, sobretudo a última
"Amélia Melenas, minha mãe
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E aqui,
eu, que não me identifico inteiramente com o autor, recomendo vivamente que não perca este excelente artigo:
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Um massacre é um massacre é um massacre é um massacre
João Teixeira Lopes*
in PÚBLICo de 9-8-2006

E Qana não existiu, talvez nada exista, talvez seja tudo uma imensa paródia virtual de imagens e palavras que, depois de as criarmos, se libertam, loucas, no hiperespaço e troçam de nós, porque já não as comandamos

Hoje apetece-me assistir a tudo, ver tudo e não ficar imune. Hoje apetece-me perder a compostura, aquela compostura medrosa, tão próxima da "pequena dor que cada um de nós/traz docemente pela mão/esta pequena dor à portuguesa/tão mansa quase vegetal".
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Apetece-me dizer: "Viva a Vida!" ao contrário dos falangistas que gritavam na carnificina espanhola "Viva la Muerte!". E um falangista é um fascista, é um fascista, é um fascista (Ó Vasco, Ó Vasco Pulido Valente, por que não tens amigos, por que ninguém te diz "Vasco, olha para o que escreves, olha para isto, vamos embora, tem calma, "ainda não é o fim/é apenas um pouco tarde""?!). E olho, incrédulo, para um artigo recortado do PÚBLICO, em que Pacheco Pereira se delicia com as suas memórias de convívio próximo e fraterno com o Átila de África, Savimbi, babando-se, incrível, com a suposta complexidade do personagem, com a heroicidade dos deuses do Olimpo, que acabam sós, numa solidão de grandeza majestática, de destino trágico, como as grandes Tragédias dos antigos - Savimbi, o carniceiro, o louco, o assassino psicopata, alvo de tão grandiosas atenções...
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E olho, ainda, para umas inacreditáveis aspas, no editorial de José Manuel Fernandes - "o "massacre" de Jenin" - aspas que colocam em suspensão a realidade, que troçam dela e dos que a tomam como tal. E entusiasma-se, o editorialista, com uma contabilidade de mortos, serão menos, foram menos, e Qana não existiu, talvez nada exista, talvez seja tudo uma imensa paródia virtual de imagens e palavras que, depois de as criarmos, se libertam, loucas, no hiperespaço e troçam de nós, porque já não as comandamos, porque já não nos pertencem - as palavras e imagens que nós próprios construímos! Arquivos históricos, a Amnistia Internacional, as dezenas de organizações não governamentais, os jornalistas e os media, o próprio exército israelita!
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Façam o favor, leitores - como eu fiz - de pesquisar na Net os jornais de referência europeus; centrem-se nos editoriais e, em particular, naqueles que defendem Israel. Dar-vos-ei um rebuçado por cada artigo mais extremista, fanático e pró-americano do que o de José Manuel Fernandes.
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Eu que detesto os teocratas iranianos e a sua idolatria;
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eu que abomino o caudilhismo de Chávez e a cleptocracia angolana;
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eu que em nada defendo a presunçosa e secular ditadura Síria;
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eu que afirmo, como a esquerda a que pertenço, que não há nenhuma sociedade modelo ou "farol da humanidade" - nem o falecido "comunismo real", nem o autoritarismo dinástico cubano, nem a horrenda monarquia norte-coreana, nem o capitalismo selvagem da China;
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eu que nunca defendi ou apoiei ou armei taliban e Saddam Hussein no massacre a curdos, xiitas e comunistas, como fizeram sucessivas administrações americanas e o Governo português no tempo de Cavaco primeiro-ministro com Durão Barroso à frente dos Negócios Estrangeiros;
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eu que denunciei, como milhões de cidadãos e cidadãs no mundo e do mundo, a guerra contra o Iraque e a intervenção no Afeganistão, e que vejo, agora, a guerra civil, o ódio disseminado, o caos flagrante, as chacinas diárias;
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eu que escrevo contra essa nova vanguarda de extrema-direita, a tribo neoconservadora, detentora da luz que iluminará o mundo, os novos cruzados do império americano e da ideia pura de democracia e do seu proselitismo, os acólitos da ideia de guerra de civilizações, os tementes do relativismo e da democracia avançada (a tal que, felizmente, tudo questiona, porque não há nada que não deva ser questionado, apesar do medo que isso lhes causa), os que defendem Washington como se defendessem Roma contra os bárbaros, desculpando, é claro, e omitindo, sempre que possível, os desmandos do império, como as grosseiras e constantes violações dos direitos humanos (vejam o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão - laboratórios inteiros em que, à custa da morte de centenas de milhares, tais peregrinas ideias se desfizeram em destroços - o que querem mais para além da prova, mais que científica, mais que experimental destes cenários de horror, o que falhou, que guerras são ainda precisas, digam-nos Helena Matos, digam-nos, José Pacheco Pereira, digam-nos, José Manuel Fernandes, digam-nos, João Carlos Espada, mas digam-nos de uma vez por todas, o que falta ainda?).
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Eu que amo a América de Walt Whitman, "dos perfumados prados do meu peito" e desse judeu dilacerante, Woody Allen; eu - e outro ou outra poderia eu aqui ser - relembro Einstein e o seu apelo ao pacifismo militante (aquele que não hesita em lutar pela paz), olho para Qana e para toda a terra ferida e digo, desta vez em coro universal, que se uma rosa
É uma rosa
É uma rosa

Então, um massacre é um massacre é um massacre.
*Sociólogo

(Citações de Alexandre O"Neil, Manuel António Pina, Walt Whitman e Gertrude Stein, por sinal também americana e judia).