ENQUANTO E NAO

terça-feira, agosto 01, 2006

CARTA DE UMA MÃE ISRAELITA

Também este texto me foi enviado de São Paulo por amigos de origem judaica.
o texto está escrito, obviamente, em português do Brasil
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Israel: educação para o racismo
Nourit Peled-Elhanan - Militante pacifista israelense
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Eu dedico este texto às mães das crianças assassinadas, às mães que
continuam a colocar no mundo crianças e a formar famílias, às mães que
preparam sanduíches para seus filhos vendo os "bulldozers" se aproximar
para destruir suas casas, às mães que acompanham diariamente seus filhos à
escola passando por quilômetros de destruição e de destroços sob a mira de
fuzis apontados por soldados apáticos sabendo que tais soldados que matam
os seus filhos jamais comparecerão diante de um tribunal para serem
julgados e se comparecerem não serão considerados culpados porque o
assassinato de crianças palestinas não é considerado crime no Estado de
Israel judeu e democrático.
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Dedico este texto também à memória do escritor e poeta, o professor Izzat
Ghazzawi, com quem tive a honra de dividir o Prêmio Sakkharov de Direitos
Humanos e Liberdade de Pensamento do Parlamento Europeu. Poucos meses
antes de morrer de humilhação, ele me escreveu sobre os soldados que
invadiam sua casa à noite destruindo móveis e janelas, desrespeitando
adultos e aterrorizando as crianças com o objetivo, dizia, de "calar sua
voz". Izzat Ghazzawi me pedia para procurar o Ministério do Interior, a
fim de que parassem com aquelas ações absurdas. Mas seu coração sabia de
antemão que isso seria inútil o parou de bater pouco tempo depois.
Esta crueldade toda que não dá para ser expressa em palavras, esta forma
organizada e refletida de maltratar as pessoas, que hoje os melhores
cérebros judeus estão empenhados em planejar e aperfeiçoar não nasceu do
nada. É fruto de uma educação fundamental racista, intensiva e geral.
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As crianças de Israel estão sendo educadas num discurso racista sem
concessões, um discurso racista que não se limita apenas aos
"check-points", mas envolve todas as relações humanas neste país. As
crianças de Israel estão sendo educadas para o mal que terão de praticar
ao término de seus estudos como alguma coisa imposta pela realidade em que
vivem. As crianças de Israel estão sendo educadas de maneira a considerar
as resoluções internacionais, as leis, as regras humanas, até as divinas
como palavras vãs que não se aplicam ao seu país.
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As crianças de Israel não sabem o que é a ocupação de um país. Elas ouvem
falar de "povoamento". Sobre os mapas dos manuais de geografia, os
territórios ocupados são apresentados como parte integrante de Israel e
indicados como "terras abandonadas", antigamente citados como "zonas
desabitadas". Não há livro de geografia em Israel que mostre um mapa das
fronteiras do Estado. Assim, as crianças aprendem que tudo aquilo que vêem
no mapa pertence ao seu país, à entidade mítica chamada "Terra de Israel".
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As crianças de Israel aprendem que em seu país há judeus e não judeus, que
há um sector judeu e um sector não judeu, que há uma agricultura de judeus e
uma agricultura de não judeus, que existem cidades de judeus e cidades de
não judeus. Mas quem são os não judeus? Como vivem? Isso não é importante.
E os que não são judeus são todos considerados como "árabes".
Por exemplo, no livro "Israel - o Homem e o Espaço" (Editora do Centro de
Tecnologia da Educação, 2002) pode-se ler no capítulo sobre a população
árabe o seguinte: "Dentro deste grupo da população há crentes de
diferentes religiões e grupos étnicos diferentes: muçulmanos, cristãos,
drusos, beduínos... Mas como a maioria deles são árabes, ao longo desta
obra chamaremos este grupo de árabes ou de população árabe..."
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No mesmo livro escolar, os palestinos são chamados de "trabalhadores
estrangeiros" e suas condições de vida são apontadas como "típicas de
países subdesenvolvidos". Os palestinos, tanto os que vivem no Estado de
Israel como os que vivem nos territórios ocupados não têm rosto, não são
considerados como cidadãos, como pessoas modernas, como pessoas com algum
trabalho produtivo, intelectual, ou exercendo alguma atividade positiva.
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Nos livros escolares eles são representados através de imagens
estereotipadas e considerados depreciativamente "os árabes de Israel".
Eles são sempre representados através de caricaturas racistas.
Por exemplo, no livro "Geografia da Terra de Israel" (2002) aparecem
caricaturados como um árabe das "Mil e Uma Noites" portando bigodes,
"keffieh", sapatos pontudos de palhaço e puxando um camelo. No livro "As
Pessoas e o Espaço" (1998) são mostrados como camponeses atrasados
anteriores ao advento da tecnologia, sempre puxando um arado primitivo com
a ajuda de bois.
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Nos livros escolares "O Século XX", "Tempos Modernos II",
"Viagem pelo Passado" (2001), os palestinos que habitam os territórios
ocupados são mostrados ou como terroristas encapuçados, ou como bandos de
refugiados andando de pés descalços e com as valises na cabeça de um lado
para outro. Os qualificativos que acompanham tais estereótipos vão de
"problema que exige uma solução" e "um peso para o desenvolvimento" até a
"ameaças à segurança" e "pesadelo demográfico".
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Embora as áreas palestinas não apareçam nos mapas dos livros escolares de
geografia, a Autoridade Nacional Palestina é apresentada sempre como um
inimigo. Por exemplo, no livro "Geografia da Terra de Israel" (2002) há um
capítulo intitulado "A Autoridade Nacional Palestina rouba a água de
Israel em Ramallah". Nem mesmo os livros considerados politicamente
corretos sobre "a verdade histórica" e a "paz" escapam das explicações
racistas, talvez porque seus autores, considerados progressistas, sequer
percebam o discurso racista que veiculam.
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Por exemplo, o livro "O Século XX", de Elie Barnavi, no capítulo "Os
palestinos, de refugiados a uma nação" examina "o desenvolvimento do
problema palestino", "as atitudes da população israelense em relação a
este problema" e "a natureza da solução para este problema". Se me
dissessem que este capítulo foi escrito há pelo menos 60 anos e que em
lugar de "problema palestino" tratava-se de "problema judeu", eu não
ficaria surpresa. Como se criou o "problema palestino"?
No livro "Tempos Modernos" de Elie Barnavi e Eyal Nayed se explica a
questão do "problema palestino" (pág. 238) da seguinte forma: "é na
pobreza, na deterioração e frustração em que se encontravam os refugiados
em seus miseráveis campos que amadureceu o problema palestino" para
concluir logo em seguida que "o problema palestino envenena há mais de uma
geração as relações de Israel com o mundo árabe e com a comunidade
internacional". Na visão destes autores, a identidade dos palestinos se
forjou no "sonho de retornar à Terra de Israel" e não à Palestina.
E como foi criado o nacionalismo palestino? Ainda segundo este livro, "ao
longo dos anos, a alienação, o ódio, a propaganda, a esperança do retorno
e da vingança fizeram dos refugiados palestinos uma nação...". E explica
logo em seguida que a presença de palestinos entre nós é suscetível de
"transformar o sonho sionista em um pesadelo do tipo do da África do Sul"
(pág. 239). Estes argumentos foram escritos após a vitória de Nelson
Mandela, mas o livro identifica os judeus do Estado de Israel com os
brancos da África do Sul para quem a população negra do país era um
pesadelo.
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O assassinato de palestinos pelos israelenses é visto como positivo nesta
obra pedagógica. Na página 228 do "Tempos Modernos" está escrito: "O
massacre de Deir Yassin não inaugurou a fuga massiva de árabes do país,
pois ela começara antes, mas o anúncio do massacre acelerou este
processo". "Inaugurou"? Esta é uma palavra festiva, não? E prossegue logo
em seguida: "A fuga dos árabes solucionou, ao menos parcialmente, um
terrível problema demográfico e mesmo as vozes moderadas como a de Haim Weizman consideraram isto como milagre".
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Enfim, é assim que as crianças de Israel aprendem que em seu país não há
população árabe - o sonho sionista. Elas aprendem também que matar
palestinos, destruir suas terras, assassinar suas crianças não é crime. O
mundo esclarecido lhes mostra a cada instante que é preciso temer o ventre
dos muçulmanos. E todos os partidos no poder em Israel que desejam ganhar
eleições e fazer demonstração de seu engajamento ao sionismo, ou à
democracia, ou ao progresso fazem, às vésperas do pleito,
operações-surpresa, ostentatórias, de morte de palestinos.
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E isso tudo apesar de que as escolas do Estado de Israel estão lotadas de
slogans do tipo "ame o outro e aceite aquele que é diferente". Pelo visto
o "outro", o "diferente" não se refere às pessoas que nos rodeiam em
Israel. Nossas crianças conhecem muito mais sobre a Europa - pátria da
fantasia e ideal dos dirigentes do país - do que sobre o Oriente Médio
onde elas vivem e que é o lar de origem de mais da metade da população
israelense.
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As crianças judias no Estado de Israel conhecem os valores humanos, mas
não vêem ao seu redor a sua concretização. Ao contrário, por toda parte
elas assistem à violação destes valores. Uma estudante entrevistada pelo
jornal Haaretz ( 13.03.2006) mostra bem essa confusão. Ela se define como
"uma habitante de Tel Aviv, privilegiada, pertencendo à classe média" e se
mostra espantada de que "soldados do meu povo, que me protegem e velam
pela minha segurança, tenham maltratado sem hesitar um pai palestino e seu
filho". Sua expressão "soldados do meu povo que me protegem..." mostra
mais que qualquer coisa como está impregnada pela ideologia racista. Quem
são as pessoas que ela chama "meu povo"? A palavra "povo" como a palavra
"nós" são palavras comumente usadas como se não houvesse outra escolha,
como se fosse uma obra da natureza.
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A morte me obrigou e à minha família a examinar com atenção tais palavras.
Quando há alguns anos um jornalista me perguntou como eu podia estar
recebendo palavras de consolo do "outro lado", eu lhe respondi que eu não
estava disposta a receber consolo do "outro lado" e a prova disso é que
quando Ehoud Olmert, então prefeito de Jerusalém, viera me dar as
condolências eu havia saído da sala e me recusara a lhe estender a mão ou
a lhe falar porque, para mim, o "outro lado" era ele e seus semelhantes.
Para mim, a palavra "nós" não se define em termos nacionalistas ou
racistas. O meu "nós" se refere a todos os que estão dispostos a lutar
para preservar a vida e salvar as crianças da morte, a todos os pais e
mães que não encontram consolo ao assistir à morte dos filhos dos
"outros".
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É verdade que onde estamos este campo leva vantagem, pois tanto palestinos
como judeus tentam de todo jeito e com uma força que não me é familiar,
mas que não posso deixar de admirar, levar adiante suas vidas em condições
infernais que o regime de ocupação e a democracia do Estado de Israel lhes
impõem. Mesmo para nós, vítimas judias da ocupação, que procuramos nos
libertar da cultura de força e destruição que acompanha a guerra de
civilizações que se trava por aqui, há espaço.
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Meu filho Elik é membro de um movimento novo que se formou sob o nome de
"Combatentes pela Paz". Dele fazem parte israelenses e palestinos que
foram soldados combatendo dos dois lados e que decidiram criar um
movimento de resistência à ocupação não violento. Minha família também
participa do Fórum das Famílias Enlutadas Israelenses e Palestinas que
postula a paz. E meu outro filho Guy faz teatro com amigos israelenses e
palestinos que se vêem como pessoas vivendo no mesmo território e buscando
se libertar de uma existência traçada pelo crime e pelo racismo que não é
a que eles almejam. E o meu caçula Yigal, todos os anos organiza um campo
de verão pela paz onde crianças judias e palestinas brincam juntas e criam
laços sólidos de amizade que se estende ao longo do ano. São estes jovens,
estas crianças, o "nós" para eles.
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E isto porque a minha família faz parte de uma população que mora e vive
neste lugar e porque acreditamos que esta terra pertence aos seus
habitantes e não aos que vivem na Europa ou nos Estados Unidos.
Acreditamos que é impossível viver em paz sem conviver nos lugares com
todos os seus habitantes. Acreditamos que a fraternidade real só se
estabelece sobre a base de uma vida comum num lugar determinado e sobre
desafios enfrentados juntos e não sob critérios nacionalistas e racistas.
Não é um homem de paz aquele que não abre as fronteiras da raça e da
religião e que não se integra em meio às pessoas do país em que nasceu.
Infelizmente há muitos entre nós que se dizem homens de paz, mas que nada
fazem ao ver seus compatriotas serem lançados em guetos, emparedados por
muros com o único objetivo de que morram de fome, não protestem mais e
enviem seus filhos a servir no exército de ocupação ou bancar as
sentinelas nos portões do gueto.
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Eu não sou uma mulher da política, mas para mim está claro que os
políticos atuais são os estudantes de ontem e que os políticos de amanhã
serão os estudantes de hoje. Por isso, me parece que os que querem fazer
da paz e da igualdade a sua consigna de vida devem se interessar pela
educação, criticar, protestar contra a propagação do racismo nas escolas,
no discurso pedagógico, no discurso social; devem propor leis ou reativar
leis que combatam o racismo no ensino, criar profissionais de ensino
dispostos a ensinar o conhecimento real do "outro", impedindo qualquer
possibilidade de espalhar a sanha pela eliminação do "outro". Este tipo de
orientação deveria mostrar sempre as imagens das crianças estendidas no
solo com seus uniformes de escola crivadas de balas atiradas a esmo e
colocar sempre a questão levantada por Anna Akhmatova que perdeu seu filho
nas mãos de um regime assassino:
"POR QUE ESTE SULCO DE SANGUE ESCORRE DE TUA FACE?"
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Escuso-me a fazer qualquer comentário. O texto fala por si.
Uma coisa é o povo judeu, outra o governo sionista/capitalista/colonialista de de Israel

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Fonte:
http://bellaciao.org/fr/
http://www.mahsanmilim.com/NuritPeledElhanan.htm
http://www.france-palestine.org/article3707.html
27 de Julho 2006
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Veja também o meu outro blogue