O Julgamento de Sadam
Detido há meses pelas forças de ocupação americanas e ainda às suas ordens, começou há dias 0 julgamento do deposto presidente do Iraque, Sadam Hussein. Terá sido um ditador e confesso que adoro ver ditadores sentados no banco dos réus. Infelizmente tenho visto tão poucos que, de momento, não consigo lembrar-me de nenhum. Em boa verdade os ditadores constituem uma espécie muito sui-generis. Não há mal que lhes chegue, reproduzem-se com muita facilidade, gozam sempre de excelente saúde (pudera, rodeiam-se dos melhores médicos e dos melhores cuidados) e quase sempre morrem de velhos e de morte natural. E, caso curioso, há sempre uma infinidade de boas almas que só descobre (com muita indignação, diga-se em abono da verdade) a categoria de ditador do extinto alguns dias após o seu passamento.
O caso de Sadam é uma das poucas excepções à regra que cinicamente acabo de referir. É que este ditador, ao contrário dos da maioria de tal espécie, ousou desafiar o Império (os Estados Unidos da América, leia-se). Só por isso. É que os Estados Unidos adoram ditadores, quando eles servem (e quase sempre servem) os seus imperiais interesses. Quando os têm à mão, apoiam-nos; quando não têm, inventam-nos.
Ditadores têm sido às dúzias , desde que me conheço, nos países da América latina com a complacência, cumplicidade, apoio e até imposição dos americanos. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um caso, em meados da década de 50 do século passado, em que nem foi preciso a administração americana sujar as mãos. Bastaram os mercenários da United Fruit C.º para destituir o Presidente democrata da Guatemala, Jacob Arbenz, colocar lá o fantoche e seu homem de mão, o coronel Castillo Armas e tudo ficou por isso mesmo. Ninguém piou, ninguém se indignou. E a Guatemala lá continua até aos dias de hoje mergulhada em extrema miséria, para gozo e proveito de umas quantas firmas americanas. Felizmente que eu tenho boa memória!
Do caso do ditador Pinochet todos se lembram. Foi com o seu apoio e inspiração que ele, traiçoeiramente, golpeou a democracia chilena e o seu governo legalmente constituído. Foi ainda com o seu silêncio cúmplice que ele cometeu os piores crimes durante toda a vigência do sanguinário regime que implantou. Há documentos que provam que ainda antes de o governo de Salvador Allende tomar posse, já os americanos (numa antecipação do que o sr. Bush haveria de chamar mais tarde “guerra de prevenção) tinham planos para o derrubar. A traição foi tão ignóbil, tão inesperada, durante as primeiras horas do golpe, o honrado dr. Allende várias vezes perguntou por Pinochet, a quem ele, confiadamente nomeara, dias antes, Chefe do Estado Maior da Forças Armadas, receoso de que tivesse sido abatido pelos golpistas, nem lhe passando pela cabeça que fosse ele, precisamente, o vendido cabecilha do golpe que o havia de vitimar pouco depois.
Ditadores foram também Salazar e Franco e morreram tranquilamente nos seus leitos sem que aos americanos incomodasse os danos que, durante décadas infligiram aos respectivos povos. Ditador foi Noriega, do Panamá, sem que isso lhes fizesse mossa, até ao momento em que ele decidiu deixar de ser seu lacaio e parceiro em suspeitos negócios. Aí eles não hesitaram e permitiram-se mesmo (apenas para capturar o seu arredio ex-parceiro) bombardear a cidade do Panamá, ocasionando a morte de cerca de duas mil pessoas.
Demos então de barato que Sadam era um ditador. Pois era. Aliás os grandes passos da história têm sido sempre, infelizmente, dados por ditadores: Alexandre, Júlio César, Octávio, Gengis Khan, Napoleão, Mao-Tsé-Tung, Estaline, não esquecendo o nosso grande estadista mas cruel governante Marquês de Pombal do sanguinário processo dos Távoras e outras malfeitorias até ao criminoso incêndio do bairro de pescadores na Trafaria…mas adiante.
Então, e para destituir o ditador Sadam, os EU precisavam de destruir uma nação - por sinal o berço da civilização em que vivemos - e de matar centenas de milhar de pessoas? Então a CIA, tão exímia em eliminar adversários não tinha meios de raptar, eliminar ou neutralizar este ditador? Ou melhor ainda (isso sim, seria o ideal) não tinha meios para financiar a oposição e organizar um movimento insurreccional que o depusesse?!!! Não, o império precisava absolutamente de se instalar e controlar, in loco, a rica região petrolífera e estratégica onde o Iraque se situa. Inventou então o “problema” da posse de armas de destruição massiva e das armas químicas que nunca existiram. Inventou a ameaça poderio militar do Iraque (coitados, ao fim de uma dezena de anos de bloqueio que poder militar poderiam eles ter, como aliás ficou provado ao fim de poucos dias quase sem oferecer resistencia), e inventou um Iraque, motor de terrorismo – o que à época era uma consabida mentira. Bush e a direita radical dos Estados Unidos engendraram assim um dos maiores embustes da história, cujas consequências estamos todos a pagar, sabe-se lá até quando!
Agora, sim. Agora o Iraque é motor e santuário do terrorismo a uma escala mundial. Que ganhou a humanidade, ou mesmo os Estados Unidos, com esta criminosa e idiota aventura?
- Recrudescimento do terrorismo onde ele já existia; alargamento a zonas onde não o havia e a indivíduos que nunca lhes passou pela cabeça pratica-lo (veja-se o caso hoje noticiado nos jornais de uma cidadã belga que se fez explodir no Iraque, matando 5 ou 6 pessoas); transformação de um estado reconhecidamente laico e tolerante num estado confessional e extremista; perseguição aos judeus e cristãos que, sob o regime de Sadam, gozavam de inteira liberdade de culto, bem como destruição das suas igrejas e sinagogas; regresso ao uso do véu por parte das mulheres; transformação da fervilhante e moderna Paris do médio oriente num monte de entulho e destroços, onde é perigoso sair à rua, e onde diariamente há gente assassinada. Atentados, mortes, destruições, constituem o dia a dia de todas as cidades do vasto Iraque. Que bela vitória! Que bela libertação de um país!
Que bonito seria ver Sadam apeado e destituído de poderes por acção do seu próprio povo (ainda que com a ajuda dos americanos e/ou de outras nações) e julgado agora por um tribunal livre (não esquecer que dois dos seus advogados já foram assassinados) constituído por cidadãos livres, sem a interferência de invasores estrangeiros!
É caso para dizer que falta um réu ao lado de Sadam - Bush e toda a sua administração radical. Porquê não editar um baralho com o nome de todos estes senhores, cabendo a Bush o privilégio de o encabeçar como “ás de espadas”, o mesmo trunfo que, julgo, coube ao ditador iraquiano.
PS: Tenho consciência de que não digo aqui nada que não tenha sido dito por muitas outras pessoas e pensado por muitos milhares de outras. Mas faço questão de o deixar escrito. Não quero que os meus descendentes possam dizer mais tarde: que raio é que este nosso ancestral parente andou por cá a fazer que, tendo escrito tanta coisa, não levantou a voz sobre este assunto?
Quero que se saiba que sempre o disse e o pensei, mesmo quando o governo português de então, com Durão Barroso à frente e uns escribas sem vergonha, tipo Luís Delgado e quejandos, lambiam as botas da administração Bush e insultavam mesmo quem tinha um leitura diferente da deles na questão da invasão do Iraque.
O caso de Sadam é uma das poucas excepções à regra que cinicamente acabo de referir. É que este ditador, ao contrário dos da maioria de tal espécie, ousou desafiar o Império (os Estados Unidos da América, leia-se). Só por isso. É que os Estados Unidos adoram ditadores, quando eles servem (e quase sempre servem) os seus imperiais interesses. Quando os têm à mão, apoiam-nos; quando não têm, inventam-nos.
Ditadores têm sido às dúzias , desde que me conheço, nos países da América latina com a complacência, cumplicidade, apoio e até imposição dos americanos. Estou a lembrar-me, por exemplo, de um caso, em meados da década de 50 do século passado, em que nem foi preciso a administração americana sujar as mãos. Bastaram os mercenários da United Fruit C.º para destituir o Presidente democrata da Guatemala, Jacob Arbenz, colocar lá o fantoche e seu homem de mão, o coronel Castillo Armas e tudo ficou por isso mesmo. Ninguém piou, ninguém se indignou. E a Guatemala lá continua até aos dias de hoje mergulhada em extrema miséria, para gozo e proveito de umas quantas firmas americanas. Felizmente que eu tenho boa memória!
Do caso do ditador Pinochet todos se lembram. Foi com o seu apoio e inspiração que ele, traiçoeiramente, golpeou a democracia chilena e o seu governo legalmente constituído. Foi ainda com o seu silêncio cúmplice que ele cometeu os piores crimes durante toda a vigência do sanguinário regime que implantou. Há documentos que provam que ainda antes de o governo de Salvador Allende tomar posse, já os americanos (numa antecipação do que o sr. Bush haveria de chamar mais tarde “guerra de prevenção) tinham planos para o derrubar. A traição foi tão ignóbil, tão inesperada, durante as primeiras horas do golpe, o honrado dr. Allende várias vezes perguntou por Pinochet, a quem ele, confiadamente nomeara, dias antes, Chefe do Estado Maior da Forças Armadas, receoso de que tivesse sido abatido pelos golpistas, nem lhe passando pela cabeça que fosse ele, precisamente, o vendido cabecilha do golpe que o havia de vitimar pouco depois.
Ditadores foram também Salazar e Franco e morreram tranquilamente nos seus leitos sem que aos americanos incomodasse os danos que, durante décadas infligiram aos respectivos povos. Ditador foi Noriega, do Panamá, sem que isso lhes fizesse mossa, até ao momento em que ele decidiu deixar de ser seu lacaio e parceiro em suspeitos negócios. Aí eles não hesitaram e permitiram-se mesmo (apenas para capturar o seu arredio ex-parceiro) bombardear a cidade do Panamá, ocasionando a morte de cerca de duas mil pessoas.
Demos então de barato que Sadam era um ditador. Pois era. Aliás os grandes passos da história têm sido sempre, infelizmente, dados por ditadores: Alexandre, Júlio César, Octávio, Gengis Khan, Napoleão, Mao-Tsé-Tung, Estaline, não esquecendo o nosso grande estadista mas cruel governante Marquês de Pombal do sanguinário processo dos Távoras e outras malfeitorias até ao criminoso incêndio do bairro de pescadores na Trafaria…mas adiante.
Então, e para destituir o ditador Sadam, os EU precisavam de destruir uma nação - por sinal o berço da civilização em que vivemos - e de matar centenas de milhar de pessoas? Então a CIA, tão exímia em eliminar adversários não tinha meios de raptar, eliminar ou neutralizar este ditador? Ou melhor ainda (isso sim, seria o ideal) não tinha meios para financiar a oposição e organizar um movimento insurreccional que o depusesse?!!! Não, o império precisava absolutamente de se instalar e controlar, in loco, a rica região petrolífera e estratégica onde o Iraque se situa. Inventou então o “problema” da posse de armas de destruição massiva e das armas químicas que nunca existiram. Inventou a ameaça poderio militar do Iraque (coitados, ao fim de uma dezena de anos de bloqueio que poder militar poderiam eles ter, como aliás ficou provado ao fim de poucos dias quase sem oferecer resistencia), e inventou um Iraque, motor de terrorismo – o que à época era uma consabida mentira. Bush e a direita radical dos Estados Unidos engendraram assim um dos maiores embustes da história, cujas consequências estamos todos a pagar, sabe-se lá até quando!
Agora, sim. Agora o Iraque é motor e santuário do terrorismo a uma escala mundial. Que ganhou a humanidade, ou mesmo os Estados Unidos, com esta criminosa e idiota aventura?
- Recrudescimento do terrorismo onde ele já existia; alargamento a zonas onde não o havia e a indivíduos que nunca lhes passou pela cabeça pratica-lo (veja-se o caso hoje noticiado nos jornais de uma cidadã belga que se fez explodir no Iraque, matando 5 ou 6 pessoas); transformação de um estado reconhecidamente laico e tolerante num estado confessional e extremista; perseguição aos judeus e cristãos que, sob o regime de Sadam, gozavam de inteira liberdade de culto, bem como destruição das suas igrejas e sinagogas; regresso ao uso do véu por parte das mulheres; transformação da fervilhante e moderna Paris do médio oriente num monte de entulho e destroços, onde é perigoso sair à rua, e onde diariamente há gente assassinada. Atentados, mortes, destruições, constituem o dia a dia de todas as cidades do vasto Iraque. Que bela vitória! Que bela libertação de um país!
Que bonito seria ver Sadam apeado e destituído de poderes por acção do seu próprio povo (ainda que com a ajuda dos americanos e/ou de outras nações) e julgado agora por um tribunal livre (não esquecer que dois dos seus advogados já foram assassinados) constituído por cidadãos livres, sem a interferência de invasores estrangeiros!
É caso para dizer que falta um réu ao lado de Sadam - Bush e toda a sua administração radical. Porquê não editar um baralho com o nome de todos estes senhores, cabendo a Bush o privilégio de o encabeçar como “ás de espadas”, o mesmo trunfo que, julgo, coube ao ditador iraquiano.
PS: Tenho consciência de que não digo aqui nada que não tenha sido dito por muitas outras pessoas e pensado por muitos milhares de outras. Mas faço questão de o deixar escrito. Não quero que os meus descendentes possam dizer mais tarde: que raio é que este nosso ancestral parente andou por cá a fazer que, tendo escrito tanta coisa, não levantou a voz sobre este assunto?
Quero que se saiba que sempre o disse e o pensei, mesmo quando o governo português de então, com Durão Barroso à frente e uns escribas sem vergonha, tipo Luís Delgado e quejandos, lambiam as botas da administração Bush e insultavam mesmo quem tinha um leitura diferente da deles na questão da invasão do Iraque.
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